FOLHAPRESS – “Nas Terras Perdidas” é um filme de dois autores em conflito, apesar de os dois protagonistas conviverem em harmonia por boa parte da história. Ele leva às telonas um conto de George R.R. Martin, autor de “Game of Thrones”, e tem direção de Paul W.S. Anderson, nome por trás das adaptações mais conhecidas de “Resident Evil” para o cinema.
A incompatibilidade entre os dois nomes criativos começa discreta, mas logo se manifesta na produção sobretudo a nível de trama. Martin consolidou a carreira na escrita cínica e no gosto pelas intrigas palacianas, dois elementos que viraram motor das séries da HBO baseadas em sua obra.
Nada disso diz muito respeito a Anderson, que preza pela economia de cena em seus trabalhos. Fãs e detratores do diretor concordam que ele é um expoente na produção de gênero de baixo orçamento atual, apelando a roteiros enxutos e a montagens hiperativas para dar vida aos mundos mais mirabolantes.
O filme que sai dessa combinação tão biruta está mais alinhado com a carreira de Anderson, mas o texto de Martin vira um entrave óbvio. “Nas Terras Perdidas” até ameaça desmontar próximo do fim, diante das tantas reviravoltas que de repente tem que resolver para amarrar a trama. É uma cascata interminável de informações.
Os desdobramentos finais envolvem de tudo, de conspirações envolvendo um reinado pós-apocalíptico aos quiprocós que cercam a protagonista, a bruxa Gray Alys vivida por Milla Jovovich. Se a novela no palácio enfeza o público, tudo que envolve a protagonista chama a atenção.
A história gira em torno da jornada da maga para atender um pedido da rainha, que busca os poderes da pele de um lobisomem. A criatura vive nos cafundós das tais terras perdidas, o que restou do mundo após uma guerra nuclear, e o trajeto é recheado de adversidades, incluindo zumbis.
Gray Alys então convoca a ajuda de um pistoleiro, chamado Boyce e vivido por Dave Bautista, que por sua vez tem um caso com a rainha. Para piorar, a bruxa é caçada pela Igreja, que orbita a esfera real em busca do controle e manda uma tropa e um trem militarizado atrás dos dois.
Essa descrição mirabolante já denota o quanto de Martin há na história do filme. O conto faz parte de uma antologia nunca publicada no Brasil, “Amazons 2”, e precede os livros das “Crônicas de Gelo e Fogo” em mais de uma década.
Em vez de focar aspectos mais minuciosos da trama política, Paul W.S. Anderson se diverte com a mistureba imensa que é o mundo do escritor. O filme tem a estrutura de um faroeste pós-apocalíptico, com a jornada construindo a relação entre Gray Alys e Boyce da mera transação econômica até o flerte confesso.
O longa nesse ponto testa a fórmula bem refinada pelo diretor, em especial nos últimos anos com o sexto “Resident Evil”, de 2016, e “Monster Hunter”, de 2020. Anderson parece desejar a possibilidade de contar histórias apenas pela ação, mas em “Nas Terras Perdidas” ele troca a adrenalina por imagens de impacto os slow motions e os zooms sobram dessa vez, substituindo a montagem picotada e histérica dos anteriores.
Dessa troca saem cenas de ação bastante estilosas mesmo com o orçamento curto, de US$ 55 milhões ou R$ 323 milhões, pequeno para os padrões bilionários da Hollywood de hoje. O feito só fica mais evidente diante dos efeitos visuais baratos, que forçam cenas inteiras na penumbra ou em salas fechadas.
O filme arranca o máximo do prato farto na sua frente. Em uma cena de ação mais caótica, em cima de um teleférico debilitado e funcionando nas alturas, ele vai encontrando formas novas dos personagens despacharem os seus inimigos.
A produção também se diverte com o essencial nos movimentos mais simples. Ela congela a ação em dois momentos diferentes, por exemplo, só para destacar uma mesma cobra de duas cabeças no ar, prestes a cravar as suas víboras na vítima da vez.
Esse prazer um tanto ingênuo, mas muito preciso ajuda a destacar os filmes de Anderson mesmo nas condições mais adversas. “Nas Terras Perdidas” é um desses casos, quase como um exercício de estilo que aos poucos conquista as partes mais atoladas do todo.
NAS TERRAS PERDIDAS
– Avaliação Bom
– Classificação 16 anos
– Elenco Dave Bautista, Milla Jovovich, Arly Jover
– Produção Estados Unidos, Alemanha, Polônia, 2025
– Direção Paul W.S. Anderson
– Onde ver Nos cinemas