SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na última terça-feira, a atriz Thainá Duarte foi confirmada no papel principal de “Geni e o Zepelim”, filme que será inspirado na música de Chico Buarque. O anúncio da escalação incomodou parte da comunidade artística LGBTQIA+, já que Geni, personagem icônica do compositor, é uma mulher trans.

Em resposta às críticas, Anna Muylaert, diretora do filme, publicou um comunicado em suas redes sociais dizendo que pode repensar a escalação da protagonista.

“No processo de criação do filme, entendemos que a letra do Chico e o conto de Guy de Maupassant, ‘Bola de Sebo’ (1880), no qual Chico diz ter se inspirado, poderia ter várias leituras”, falou a diretora.

“Poderia ser uma mulher trans, uma mãe solteira, uma carroceira da favela do Moinho, uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade, poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas”, falou a diretora. “Por uma questão de lugar de fala, escolhemos fazer uma prostituta cis na Amazônia.”

No vídeo, Muylaert rebate acusações de que estaria fazendo “transfake”, termo comparável ao “blackface”, que se refere a atores cisgênero representando personagens trans. “Não é transfake, a ideia era fazer uma personagem cis mesmo”, explica a cineasta.

Em seguida, ela propõe um debate entre a comunidade trans e os fãs de Chico e diz que pode repensar o filme. “Geni e o Zepelim” faz parte da “Ópera do Malandro”, musical escrito por Chico em 1978. Na peça, Geni é descrita como uma prostituta trans.

“Diante da reação da comunidade trans, eu quero vir aqui abrir o debate e jogar a pergunta: essa letra do Chico, o mito Geni hoje em 2025 só pode ser interpretada como uma mulher trans?”, pergunta Muylaert. “Se toda a sociedade, não apenas a comunidade trans, mas todos os fãs da música, se a gente computar que realmente só podemos interpretar a Geni como trans, a gente vai repensar o filme”, propõe a cineasta.

O QUE DIZ A COMUNIDADE

A atriz e diretora trans Renata Carvalho foi uma das primeiras a se posicionar contra a escalação de Thainá Duarte para o papel. “Triste em saber que no novo filme ‘Geni e o Zepelim’, da Anna Muylaert, escalaram uma atriz cisgênero para interpretar a personagem travesti Geni, uma das personagens trans mais emblemáticas do teatro e da música brasileira”, escreveu Renata.

“Precisamos continuar atentos e vigilantes com a prática do transfake nas produções artísticas ainda em 2025. Mesmo que a equipe esteja cheia de artistas ‘progressistas’ a transfobia velada e estrutural está presente. Enquanto as verdadeiras Genis continuam sendo apedrejadas nas ruas, mortas, algumas viram objeto de desejo para artistas cisgêneros representar.”

Galba Gogóia, também atriz e diretora trans, participou do debate proposto pela cineasta. “Sim, essa história só poderia ser contada por uma personagem e atriz trans. Imagina uma obra tão transgressora, criada há 50 anos, na ditadura militar, ser ‘atualizada’ dessa forma? Geni é uma personagem icônica da dramaturgia brasileira, criada como travesti.”

Camila Pitanga também se posicionou: “Você pode fazer o filme que quiser, mas pondero que essa interpretação serve sim ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo. É uma escolha que fere.”

Liniker disse que só o fato de Muylaert abrir a discussão já as “expõe grandemente”. “O Brasil não é um país acolhedor dos nossos corpos e trajetórias, principalmente se tratando de protagonismo numa grande produção audiovisual. Temos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica e já retratada como pessoa trans em tantas montagens”, escreveu.