SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta queda nesta quarta-feira (16), com o mercado ainda de olho na política comercial dos Estados Unidos.

De pano de fundo, o mercado repercute a decisão do governo Donald Trump de restringir a venda de chips da Nvidia para a China, em uma nova escalada da disputa entre os dois países.

Às 14h56, o dólar caía 0,26%, cotado a R$ 5,874. Já a Bolsa recuava 0,38%, a 128.751 pontos.

Em um novo capítulo da guerra comercial com a China, o governo dos EUA informou à Nvidia que as exportações do chip H20 -um dos produtos mais populares da gigante de tecnologia- para os chineses terão de contar com uma licença específica “por tempo indeterminado”.

A preocupação é que os produtos “sejam usados ou desviados para um supercomputador na China”, afirmou a Nvidia em documento divulgado na terça-feira. A empresa alertou que deve deixar de ganhar US$ 5,5 bilhões (R$ 33 bilhões) com a restrição.

Autoridades americanas proíbem a Nvidia e outras fabricantes de chips de inteligência artificial de vender modelos avançados para a China desde 2022. À época, a justificativa era de que a tecnologia poderia dar a Pequim vantagens militares.

A China, então, passou a aprimorar a fabricação interna de ferramentas de IA, e a Nvidia projetou o chip H20 para atender às legislações. O chip é menos potente e não tem o mesmo desempenho dos produtos topo de linha da companhia, mas ainda pode ser usado para desenvolver e executar softwares, especialmente na fase de inferência -isto é, quando a IA reconhece padrões e tira conclusões.

Além da restrição, o mercado teme novos encargos. O governo republicano abriu investigações de segurança nacional sobre a importação de chips semicondutores e equipamentos de fabricação de semicondutores, bem como sobre produtos farmacêuticos, seus ingredientes e materiais derivados.

As medidas podem levar à cobrança de tarifas sobre os dois setores. É um objetivo de Trump, como ele próprio tem dito, e autoridades dos EUA comentaram no fim de semana que produtos eletroeletrônicos como celulares e computadores poderiam ser incluídos na investigação sobre chips.

A necessidade de uma licença para o H20 da Nvidia segue a esteira de uma notícia de que a China havia suspendido a compra de aeronaves da Boeing, ainda não confirmada por Pequim.

“As medidas trazem a preocupação de que os dois países realmente irão entrar em uma rota de colisão com resultados bastante prejudiciais para eles e para o resto do mundo, tendo em vista essa desconexão bruta e rápida de seus mercados”, diz Leonel Mattos, analista de inteligência de mercado da StoneX.

As duas maiores economias do mundo têm estado em cabo de guerra desde 2 de abril, quando Trump tornou o tarifaço público. Inicialmente, a China seria taxada em 34%, além do piso básico de 10% para todas as importações que chegam aos EUA e de outras tarifas impostas ao país asiático ao longo dos últimos três meses.

Mas Pequim retaliou com tarifas da mesma magnitude, e Trump subiu a régua para 50%. A China não recuou e aumentou as taxas sobre os EUA para 84%, o que culminou em encargos de 145% por parte do governo norte-americano. O país asiático, então, aumentou a carga para 125% na sexta-feira.

Ao todo, os produtos chineses podem ser atingidos com uma tarifa de até 245%, segundo um documento da Casa Branca. O valor é uma soma das taxas de 145% a alíquotas de 100% que já estavam em vigor anteriormente sobre categorias específicas.

Segundo a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, Trump está aberto a fazer um acordo comercial com a China, mas Pequim deve dar o primeiro passo.

“A bola está com a China: A China precisa fazer um acordo conosco, nós não precisamos fazer um acordo com eles. O presidente deixou bem claro que está aberto a um acordo com a China.”

Trump tem ido e vindo com a política tarifária -e, assim, despertado incertezas entre os operadores. Na segunda, ele afirmou que estava “buscando algo para ajudar as montadoras” de veículos na América do Norte.

Na sexta, isentou um grande leque produtos eletrônicos das tarifas anunciadas no 2 de abril, o “dia da libertação”, e conversas entre negociadores comerciais norte-americanas e japonesas são esperadas para esta semana.

O entendimento de que há espaço para negociações alivia parte das tensões que pressionaram os mercados nas últimas semanas, mas não as elimina por completo.

O principal temor é que as tarifas afetem profundamente o comércio internacional pela diminuição de fluxos e encarecimento de produtos-chave nas cadeias de abastecimento. Isso poderia trazer um repique para a inflação global e levar algumas das principais economias do mundo, incluindo os Estados Unidos, a uma recessão.

Um discurso do presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) é esperado para esta tarde, e Jerome Powell deve endereçar esses temores à luz dos recuos recentes de Trump.

É comum que, em meio a fatores de incerteza no mercado financeiro, operadores aloquem recursos em ativos de segurança, como o dólar e títulos ligados ao Tesouro dos EUA (treasuries, em inglês).

No entanto, tem ocorrido uma fuga desse investimentos norte-americanos. O dólar registra perdas firmes em relação às demais moedas, em especial as de mercados fortes -movimento medido pelo índice DXY, que o compara a uma cesta de outras seis divisas. O DXY caía 0,69%, a 99,52. Números abaixo de 100 indicam desvalorização.

“É um movimento típico de perda de credibilidade, que países emergentes sofrem comumente, mas que é raro para a economia americana. Isso sugere que a atual incerteza causada pela política tarifária tem tornado os investidores globais receosos com a economia americana, buscando maior liquidez e alternativas ao dólar”, diz André Valério, economista sênior do Inter.

“Ainda é cedo para afirmar se esse movimento é estrutural. O dólar continua sendo a moeda mais importante da economia internacional, pautando o comércio mundial e os mercados financeiros, mas sua força deriva do dinamismo da economia americana, do seu ambiente político-econômico estável e da ampla cooperação internacional com seus aliados.”