BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Anac (Agência Nacional de Aviação) atravessa uma fase de estrangulamento financeiro que ameaça comprometer as operações básicas que realiza em relação à segurança da aviação. O alerta foi feito na semana passada pela própria agência, em informações enviadas ao TCU (Tribunal de Contas da União).

A reportagem teve acesso ao material no qual a agência descreve uma série de medidas que têm tomado na área administrativa para tentar prosseguir com a prestação de serviços, mas o órgão afirma que o cenário já ameaça suas missões operacionais.

“A Anac expressa sua preocupação com a sustentabilidade da prestação de serviços de qualidade e com a segurança da aviação civil no Brasil”, afirma ao tribunal. A agência tem seu orçamento vinculado ao MPor (Ministério de Portos e Aeroportos).

“A limitação de recursos, tanto orçamentários quanto de pessoal, compromete não apenas a capacidade de expansão da agência, mas também pode comprometer a eficácia da supervisão da segurança operacional e a qualidade da regulação do setor, especialmente em um cenário de crescimento acelerado e surgimento de novas tecnologias.”

O Ministério de Portos e Aeroportos do governo Lula foi procurado, mas não se manifestou. A Anac confirmou o teor das informações prestadas ao órgão de controle.

É missão da agência desempenhar funções essenciais de segurança, como fiscalização, monitoramento e supervisão operacional junto a companhias aéreas e aeroportos.

Foi a Anac, por exemplo, que suspendeu as operações da Voepass em 11 de março devido a falhas graves identificadas nos sistemas de gestão e segurança operacional da empresa. A companhia seguirá sem operar enquanto não comprovar que atendeu às exigências técnicas e que pode retomar seus voos.

A proposta orçamentária que o governo enviou ao Congresso prevê R$ 120,7 milhões para gastos discricionários (que excluem salários, por exemplo). Um levantamento feito no ano passado concluiu que a agência precisaria de R$ 172 milhões neste ano.

Além disso, se considerado o desembolso que a Anac recebeu para essas ações 12 anos atrás, o repasse previsto para este ano representa apenas 33,3% do orçamento de 2013 (em valores corrigidos pela inflação).

“A restrição de recursos pode refletir em degradação do sistema de supervisão da segurança operacional como também comprometer a capacidade da agência de acompanhar a evolução do setor, tornando essencial a busca por alternativas para manter sua atuação eficiente e alinhada às necessidades da aviação nacional e internacional”, afirma a Anac, no documento.

Sem dinheiro, a agência relata ao TCU que tem feito cortes na operação do dia a dia. Parte do trabalho que era feito presencialmente foi alvo de um programa que mira a execução de atividades de forma remota. Com isso, três andares do edifício-sede da agência, em Brasília, foram desocupados, reduzindo em 43% os gastos com aluguel, condomínio e IPTU.

Contratos de serviços de limpeza e vigilância também foram revisados, gerando uma economia adicional de 39% em relação ao gasto anterior, ainda segundo o relato feito ao tribunal. A Anac também reduziu as áreas de escritórios que ocupa nas cidades de São José dos Campos, São Paulo e Rio de Janeiro.

Para garantir local de trabalho para todos, a agência buscou acordos de compartilhamento de imóveis e rateio de despesas com outros órgãos públicos. Hoje, parte de suas operações funciona em estruturas divididas com o Palácio da Fazenda (Rio de Janeiro), Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (Rio Grande do Sul), Banco Central do Brasil (Belo Horizonte) e Receita Federal (Recife).

“Estima-se que, ao final de 2024, tais ações tenham gerado uma economia de aproximadamente R$ 52 milhões”, afirmou a Anac. “No entanto, há a limitação na capacidade de expansão da atuação da Anac nas atividades finalísticas, destacadamente em certificação e vigilância dos entes regulados.”

Diante desse quadro, a agência afirma seguem sendo priorizadas funções relacionadas à segurança das operações aéreas, como inspeções aeroportuárias regulares, certificações de produtos aeronáuticos, validações de entidades do setor aéreo e fiscalizações.

As restrições tornam-se mais críticas no momento em que há aumento da demanda por transporte aéreo, novas operações e tecnologias, além da necessidade de aprimoramento da regulação e fiscalização. O que pode impactar diretamente na qualidade dos serviços e na segurança da aviação civil, segundo a agência.

Projetos estratégicos e operacionais já têm sofrido com a falta de verba, como aqueles voltados às áreas de tecnologia da informação, transformação digital e segurança cibernética, “comprometendo a proteção de dados e sistemas críticos da Anac e o avanço tecnológico de soluções para incrementar a interface entre o cidadão, as empresas do setor e a agência”. Há, ainda, “comprometimento do aperfeiçoamento dos processos de fiscalização, inteligência e tomada de decisão”.

No ano passado, 70 novos servidores foram contratados por concurso público e já foram nomeados e estão em atividade. Mesmo assim, a Anac diz que o quadro atual está defasado em 35,5% frente ao estipulado em sua lei de criação.

“Ao compararmos o quantitativo de servidores da agência em 2014 com o número em 2024, observa-se uma redução de aproximadamente 9%”, afirma a Anac.

Em nota, a Anac afirmou que há um descompasso entre as condições de trabalho e o aumento de atribuições.

“Enquanto o quadro de pessoal diminui, a agência enfrenta um aumento significativo de responsabilidades, incluindo um maior número de aeroportos concedidos, a ampliação do número de regulados e a necessidade de regulamentação de novos temas, como drones, segurança cibernética, aeronaves de decolagem e aterrissagem vertical elétrica”, diz o texto.