SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os EUA amargarão as maiores consequências da guerra tarifária iniciada por seu presidente, Donald Trump. A economia vai desacelerar, a inflação, ganhar impulso, e o desemprego, crescer, segundo projeções de economistas e bancos. O Goldman Sachs, por exemplo, prevê a perda de meio milhão de vagas de trabalho no país.

O impacto negativo deve ser agravado por retaliações chinesas direcionadas a pontos fracos de Washington: na segunda, Pequim anunciou a suspensão da exportação de minerais críticos, elementos essenciais para setores tão diversos quanto o automotivo, aeroespacial e militar americanos. O país também barrou a compra de aviões da americana Boeing.

“Há coisas que só a China produz e que não são fáceis de serem substituídas. O impacto nas cadeias e na inflação vai ser muito pior do que na pandemia”, afirma Adam Posen, presidente do Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE, na sigla em inglês).

O think tank divulgou nesta terça-feira (15) suas projeções pós-tarifas. Nos cálculos de Karen Dynan, economista-chefe do Tesouro durante o governo Barack Obama e atual professora de Harvard, o PIB americano deve crescer 1,1% neste ano -bem abaixo dos 2,8% observados em 2024.

Contribuem para esse resultado não somente a inflação, como também a suspensão de novos investimentos por empresas, a redução do consumo pela população e a perda de confiança na gestão fiscal dos EUA, decorrentes do atual cenário de incerteza gerado pelo governo Trump.

Para ela, o quadro geral é pior do que o da pandemia, porque às disrupções das cadeias produtivas e aceleração da inflação, se soma uma piora da taxa de desemprego -algo que não ocorreu durante a Covid, quando o mercado de trabalho estava aquecido.

A inflação, medida pelo índice PCE (sigla em inglês para Gastos com Consumo Pessoal), deve acelerar de 2,5% no trimestre encerrado em dezembro passado para 5% neste ano no mesmo período neste ano, calcula Dynan. Para ela, há uma chance de 40% de o país entrar em recessão.

“Existe um medo fundamental de que possamos estar à beira de voltar às condições de 2021 ou 2022 — quando a inflação estava fora de controle e os custos eram uma preocupação constante para todos”, disse Austan Goolsbee, presidente do Fed (o banco central americano) de Chicago na semana passada, de acordo com o site Axios.

A economia global também deve desacelerar em consequência das tarifas, mas menos do que a americana: de uma expansão de 3,2% no ano passado para 2,7% neste, diz Dynan.

Isso porque há alguns efeitos potencialmente positivos para outros países. O México, por exemplo, pode se beneficiar de mais near-shoring -a migração de cadeias de produção da Ásia para mais perto dos EUA-, afirmou Dynan durante evento do PIIE.

Ela também espera um impacto ligeiramente positivo na Europa, em razão do aumento de gastos com defesa e ações conjuntas para emissão de títulos da dívida.

Na Ásia, por outro lado, a China dificilmente conseguirá alcançar sua meta de crescimento de 5% neste ano, e outros países da região deverão sentir efeitos predominantemente negativos. A exceção é a Índia, que deve seguir atraindo investimento estrangeiro.

No restante das economias emergentes, a expectativa é de que a desaceleração global vai piorar um cenário já difícil em razão das tarifas.

“Acho que Brasil e possivelmente Argentina vão ter um desempenho muito melhor do que o resto da América Latina”, diz Posen à reportagem ao ser questionado sobre o futuro da região. “O México vai depender muito das negociações do USMCA [Acordo de Comércio entre EUA, México e Canadá] e do tanto que terão de abrir mão de investimentos da China.”

Pequim, por sua vez, deve fortalecer seus laços com o Brasil, projeta. Brasília pode se beneficiar, por exemplo, se ocupar o lugar dos americanos no fornecimento de soja ao gigante asiático, disse Chad Bown, economista-chefe do Departamento de Estado durante o governo Joe Biden.

500 MIL EMPREGOS PERDIDOS

Uma das principais justificativas de Trump para a imposição de tarifas é impulsionar a indústria americana, incentivando a produção em território nacional e, por tabela, a criação de empregos no setor.

Um levantamento feito pelo Goldman Sachs com base em uma série de pesquisas sobre o tema, porém, aponta que o efeito de uma tarifa geral de 10% sobre importações -como a que vigora agora- é predominantemente negativo sobre o mercado de trabalho.

Se por um lado a política pode gerar quase 100 mil vagas na indústria, outras 500 mil seriam eliminadas na ponta em razão da pressão sobre os custos de insumos, estima o relatório publicado no domingo (13).

Tarifas podem ser uma política efetiva em alguns casos, diz o banco, como a proteção a indústrias nascentes. A produção de folhas de flandres pelos EUA, por exemplo, prosperou após a taxação de importações do Reino Unido em 1890.

Outro exemplo bem-sucedido foi a taxação em 25% nos anos 1960 das importações de caminhonetes leves produzidas na Europa, o que levou consumidores americanos a passarem a comprar veículos nacionais.

“Embora esses exemplos indiquem alguma possibilidade de efeitos domésticos positivos a partir de uma política comercial mais intervencionista, é importante observar que as tarifas amplas que estão sendo implementadas atualmente não são direcionadas, em sua maioria, a indústrias nascentes, bens com alta elasticidade da demanda ou produtos finais”, alertam os economistas do banco.

Nos cálculos do Goldman Sachs, um aumento de 10 pontos percentuais nas tarifas pode gerar uma expansão de empregos de no máximo 1% nas indústrias protegidas. Na média, a alta é de 0,4%. “Essas estimativas são de modo geral classificadas como modestas”, dizem.

O JPMorgan, o maior banco dos EUA, vê em 60% as chances de uma recessão no país. “Mesmo com o recuo mais recente em relação às medidas draconianas do Dia da Libertação, a tarifa de 145% sobre a China, juntamente com o imposto universal de 10% sobre outros países, eleva a tarifa média dos EUA para cerca de 30%”, afirma em relatório divulgado nesta terça.

Nos cálculos do banco, as novas tarifas equivalem a um aumento de imposto de quase US$ 1 trilhão, ou 3% do PIB, “tornando-se o maior aumento de impostos sobre famílias e empresas norte-americanas desde a Segunda Guerra Mundial”.