BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Com um mapa de indicações políticas em mãos, integrantes do governo Lula (PT) estão fazendo cobranças a integrantes da base aliada no Congresso que assinaram o pedido de urgência do projeto de lei que dá anistia aos condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro.

O relatório do projeto prevê que todos os atos pretéritos e futuros relacionados aos ataques à sede dos três Poderes terão anistia, abrindo brecha para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), já tem um levantamento de todas as indicações de cargos federais feitas por políticos da base aliada e seu plano já era se debruçar sobre isso nos próximos dias. Mas a adesão de aliados à proposta de anistia precipitou essa abordagem.

A estratégia contraria, no entanto, uma ala da Esplanada, preocupada com reflexos na relação com o Congresso. Essa corrente defende que o governo não se envolva diretamente nesse debate, deixando-o a cargo do Judiciário.

Segundo relatos, Gleisi pediu esse levantamento para negociar apoio às propostas do governo e também com vistas à reeleição de Lula, em 2026.

Dentro de sua equipe, auxiliares analisam a relação entre a votação desses parlamentares e a relevância dos cargos ocupados por seus afilhados políticos, antes de avaliar a necessidade de rever uma ou outra posição.

Em conversas, a ministra tem lembrado que o governo dispõe de ferramentas, além da execução das emendas parlamentares, para essa articulação. Pesa para essa iniciativa o volume de queixas dos próprios parlamentares que, declarando-se leais, reclamam que deputados e senadores menos afinados com o governo são mais prestigiados.

Um auxiliar de Gleisi diz que neste primeiro momento ela tem atuado junto às lideranças partidárias para discutir a “gravidade jurídica e política” do projeto de lei, numa tentativa de sensibilizar o Parlamento. Ela também deverá procurar esses políticos para tratar do assunto.

Na avaliação de um integrante do Palácio do Planalto é necessário que o governo use dos instrumentos de que dispõe para “alinhar os ponteiros” com os partidos aliados para definir quem apoia ou não o Executivo.

Esse movimento mais enérgico do governo federal diante de uma base instável no Congresso, que já vinha sendo cobrado por governistas, ganhou mais força após o protocolo do pedido de urgência na Câmara dos Deputados.

Na segunda-feira (14), o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou o pedido no sistema da Câmara com 262 assinaturas -eram necessárias 257.

Desse total, 55% são de partidos com ministérios e 61% são filiados a siglas da base governista (contemplados com outros cargos de segundo escalão, mas não com ministérios).

Um governista afirma que o Palácio do Planalto tem conhecimento que mesmo dentro de partidos que integram a base há parlamentares mais alinhados à oposição e que essas assinaturas estavam precificadas. Ele diz, no entanto, que a forte adesão de parlamentares desses partidos que não são ligados a esse grupo gera “indignação”, sobretudo pelo teor do projeto de lei.

Partidos que têm três representantes na Esplanada de Lula tiveram diversos deputados de suas bancadas entre os signatários da proposta: União Brasil (40 deputados), PSD (23) e MDB (20).

O PP, com um indicado no Ministério do Esporte, teve adesão em peso ao documento, com 35 assinaturas (de 48 na bancada), inclusive de seu líder, o deputado Doutor Luizinho (RJ). O Republicanos, também com um assento no ministério do petista, teve 28 assinaturas.

De acordo com relatos, integrantes do governo demonstraram maior contrariedade com o União Brasil, já que 40 de 59 deputados da bancada assinaram o requerimento -o deputado José Nelto (GO), por exemplo, é um dos que endossaram a proposta e é vice-líder do governo na Câmara. Além disso, esse movimento ocorre num momento em que o partido indicou novo nome para comandar o Ministério das Comunicações.

Um interlocutor da ministra diz que Gleisi tem mantido “conversas francas” com líderes, dirigentes partidários e com os próprios parlamentares desde que se tornou ministra. E que, a partir de agora, deverá ser mais incisiva a respeito dessa postura de integrantes de legendas aliadas.

Ele rejeita, no entanto, que esse movimento seria uma retaliação do Planalto, mas diz que é preciso que os partidos e seus representantes “sejam coerentes”.

Um parlamentar governista afirma que o Palácio do Planalto sabe das dificuldades que tem em aprovar algumas matérias no Congresso, sobretudo na Câmara. Mas diz que isso não pode ser um impeditivo para que o Executivo imponha limites sobre atitudes de deputados e senadores que vão de encontro aos interesses do governo.

Sóstenes protocolou o requerimento na tarde de segunda sob a justificativa de que deputados estariam sendo pressionados pelo governo federal e por integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) a desistir de apoiar a iniciativa.

Pelo regimento interno, uma vez protocolada, essa proposta só perde validade se for apresentada outra com assinaturas de metade dos autores mais um (neste caso, 132) -cenário considerado improvável por governistas.

A iniciativa do líder do PL ocorreu enquanto o Executivo negociava com aliados a retirada de suas assinaturas. Nesse processo também foram acionados ministros para atuar junto às bancadas de seus partidos, assim como governadores aliados, para que eles também pudessem entrar em campo nas conversas com parlamentares. Na segunda, governistas contavam com a desistência de ao menos 20 signatários.

Mesmo diante do requerimento protocolado, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), e emissários do governo articulam com os signatários o encaminhamento de pedido de exclusão de suas assinaturas.

Embora a medida não tenha validade regimental, Lindbergh afirma que o movimento respaldaria o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que não leve a pauta ao plenário.