CAMBRIDGE, EUA (FOLHAPRESS) – A Universidade Harvard, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos, tem se recusado a ceder às investidas de Donald Trump para adequar suas políticas a um discurso determinado pelo governo, sob pena de perder financiamento. Nesta segunda-feira (14), a universidade rejeitou demandas da gestão republicana para manter o financiamento à instituição.

Algumas horas depois a Casa Branca anunciou o congelamento de US$ 2,2 bilhões em verbas, além de US$ 60 milhões em contratos com a instituição.

Trata-se da primeira universidade de elite no país a rechaçar a ofensiva do republicano.

“A universidade não renunciará a sua independência nem abrirá mão de seus direitos constitucionais. As demandas do governo vão além do poder da gestão federal”, afirmou o reitor da universidade, Alan Garber.

Em março, o governo afirmou que estava avaliando o financiamento de cerca de US$ 256 milhões para Harvard, além de um adicional de US$ 8,7 bilhões, sugerindo que a universidade não havia feito o suficiente para coibir o antissemitismo no campus.

“Fica claro que a intenção não é trabalhar conosco para abordar o antissemitismo de maneira cooperativa e construtiva”, afirma o reitor. “Embora algumas das exigências delineadas pelo governo visem combater o antissemitismo, a maioria representa uma regulamentação governamental direta das ‘condições intelectuais’ em Harvard.”

Segundo Garber, Trump propôs “controlar a comunidade de Harvard”, ao exigir requisitos com o objetivo de fiscalizar os pontos de vista do corpo discente e docente, e para “reduzir o poder” de estudantes, professores e gestores “visados devido a suas visões ideológicas”.

A proteção assegurada pela instituição, porém, não é suficiente para poupar os alunos estrangeiros da universidade de ações recentes da gestão republicana que miram estudantes.

As ações e o clima de perseguição posto em prática pela gestão Trump já afeta os corredores. A Folha de S.Paulo conversou com alunos brasileiros da universidade nos últimos dias —todos com status migratório regular nos EUA. Os relatos são de receio de ter o visto revogado, a despeito da postura institucional de Harvard.

Os estudantes não querem se expor e por isso evitam críticas públicas às demandas de Trump. A conduta tem sido a mesma de integrantes de outras instituições, como a Folha de S.Paulo mostrou: ficar atento às redes sociais, apagar posts que podem ser considerados polêmicos e adotar discrição.

O escritório internacional de Harvard relatou que três alunos de graduação da universidade tiveram seus vistos revogados. Por questões de privacidade, a faculdade não divulgou quem são, mas os encaminhou para assistência legal.

“Não estamos cientes dos detalhes das revogações ou das razões para elas, mas entendemos que números comparáveis de estudantes e acadêmicos em instituições por todo o país experimentaram mudanças de status semelhantes em aproximadamente o mesmo período de tempo”, escreveu a universidade em comunicado.

Na mesma nota, o escritório afirma que valoriza profundamente os estudantes e acadêmicos que lá atuam. Diz que eles agregam com talento e criam relações positivas e discursos que “expandem os horizontes das pessoas em toda a nossa comunidade”. “Estamos comprometidos em continuar a apoiá-los.”

Estudantes que participaram no último final de semana da Brazil Conference, evento organizado pela comunidade brasileira de Harvard e do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), não souberam dizer se há brasileiros entre aqueles com vistos revogados. Mas citaram exemplos de dificuldade para conseguir vistos de pesquisadores para viajar aos EUA como um fator que assusta.

Uma pesquisadora que foi convidada a participar da conferência e que, portanto, teve o visto patrocinado por um convite de Harvard e pago pelo evento, foi recusada duas vezes antes de conseguir autorização para viajar. Um dos participantes disse que a pessoa precisou ir a consulados de estados diferentes para conseguir a aprovação.

Outro caso mencionado é o do pesquisador brasileiro Rodrigo Nogueira, convidado a participar de um evento no MIT que começa na próxima semana e discutirá o desenvolvimento de inteligência artificial no Brasil, mas não obteve autorização.

À Folha de S.Paulo, Nogueira afirmou que passou pela entrevista para renovação do visto no dia 27 de fevereiro no consulado dos EUA em São Paulo e obteve a aprovação. No entanto, no dia seguinte, foi informado de que seu visto estava temporariamente bloqueado para análise pelas autoridades americanas.

Harvard tem promovido diversas reuniões para instruir os alunos sobre suas prerrogativas, em sessões conhecidas como “saiba seus direitos”. Ainda colocou à disposição dos alunos e pesquisadores internacionais a Iniciativa de Representação de Harvard (HRI), uma clínica jurídica que oferece serviços gratuitos.

A universidade está localizada no estado de Massachusetts, que tem alto número de imigrantes, entre eles muitos brasileiros, e adota uma postura de cooperação com os estrangeiros. Cambridge, cidade onde fica a instituição, e sua vizinha, Boston, são consideradas cidades-santuário (municipalidades que adotam políticas mais favoráveis a migrantes).