Da Redação
Na paisagem exuberante da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, onde o Cerrado exibe sua força e fragilidade, uma técnica ancestral adaptada à ciência moderna tem sido aliada na preservação: a queima prescrita. Longe de ser uma queimada comum, essa prática utiliza o fogo como ferramenta de proteção — e não de destruição.
Sob planejamento rigoroso, com base em dados climáticos, ecológicos e territoriais, o fogo é aplicado de forma controlada para eliminar o excesso de vegetação seca que poderia alimentar grandes incêndios florestais. A ação é parte da estratégia do Manejo Integrado do Fogo (MIF), que une saberes tradicionais, ciência e gestão pública em prol do equilíbrio ecológico do Cerrado — um dos biomas mais antigos e ricos em biodiversidade do planeta.
O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial Natural, é um dos principais palcos dessa ação. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) coordena a implementação da técnica em áreas protegidas. “Além do combate direto ao fogo, investimos em educação ambiental nas comunidades vizinhas e escolas locais, ampliando o entendimento sobre o papel do fogo no Cerrado”, explica Pedro Paulo de Melo Cardoso, responsável pelas ações de manejo de fogo no parque.
A legalidade da prática foi assegurada pela Lei nº 14.944, sancionada em julho de 2024, que estabelece normas para o uso do fogo de forma estratégica e sustentável.
Mas não é só o governo que age. A participação da comunidade é um dos pilares mais importantes dessa frente de proteção ambiental. Lauro Jurgeaitis, brigadista e presidente da Associação Veadeiros, lembra do início de sua atuação ainda nos anos 1990, quando o combate ao fogo era feito com recursos escassos e sem reconhecimento formal. “Naquela época, era quase tudo improvisado. Hoje temos brigadas voluntárias bem estruturadas, embora ainda dependamos muito da mobilização local e de doações”, diz.
As brigadas voluntárias formam uma verdadeira rede de proteção na região. Em São Jorge, a Brigada Voluntária atua junto à Associação de Empreendedores locais. Em Alto Paraíso, a Rede Contra o Fogo reforça a linha de frente. Cavalcante é defendida pela BRIVAC, enquanto Colinas do Sul conta com a atuação da BVACS. Até mesmo o Distrito Federal contribui com a Brigada Guardiões da Cafuringa, que oferece reforço em situações críticas.
Com o avanço do período seco, o trabalho das brigadas e o uso responsável da queima prescrita tornam-se ainda mais fundamentais. Cada ação é uma medida de prevenção que pode evitar tragédias ambientais. E, mais que uma estratégia técnica, é uma escolha coletiva pelo futuro do Cerrado — onde o fogo, quando bem guiado, é força de renascimento e proteção.