BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O YouTube, maior plataforma de vídeos do mundo, tem lucrado com a divulgação de sites ilegais de apostas online no Brasil, apesar da proibição de que essas empresas façam propaganda no país e de um acordo assinado com o governo brasileiro para remoção de conteúdo.
Parte das bets que fazem propaganda na plataforma consta, inclusive, na lista da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) como irregulares e sem autorização para operar no país.
Procurado, o YouTube afirmou que o conteúdo denunciado pela Folha está em análise e que, desde setembro de 2024, atualizou suas políticas de publicação.
A propaganda no YouTube é direcionada para quem fez buscas por vídeos de apostas. A reportagem constatou que a plataforma oferece anúncios de sites ilegais, com o chamado “jogo do tigrinho” ou similares, a cada três vídeos sugeridos.
É fácil identificar as empresas ilegais. Parte delas promete bônus em dinheiro ao se cadastrar, o que é proibido pela legislação brasileira. Nenhum possui o domínio “bet.br”, exclusivo de quem tem a licença no Brasil.
Entenda como cassinos online e ‘jogo do tigrinho’ foram liberados no Brasil Ao clicar na propaganda, o usuário entra numa loja virtual e um aplicativo é instalado no celular, que direciona para o site ilegal e libera as apostas. O cadastro só demanda um número de telefone e senha. Não há nenhuma exigência de identificação do apostador ou comprovação sobre idade.
Alguns endereços ilegais ainda têm conseguido burlar bloqueio nas lojas virtuais –onde é comum que sejam listados com “classificação livre”, em desacordo com a proibição para menores de 18 anos.
A legislação determina que as empresas paguem uma outorga de R$ 30 milhões ao governo federal e se comprometam com uma série de regras (como políticas de combate à lavagem de dinheiro), para poder operar no Brasil e fazer publicidade. Além disso, precisam pagar impostos ao governo federal pelos seus lucros, o que não ocorre com bets não autorizadas.
Os aplicativos encontrados pela Folha são registrados por empresas de Hong Kong assim como os contratantes da publicidade no YouTube, apesar de divulgarem que têm licença obtida em Curaçao, uma ilha no Caribe que abriga o cadastro de várias casas de apostas que atuam pelo mundo.
Uma das formas de escapar da fiscalização é o lançamento de novos sites ilegais quando os endereços anteriores são derrubados pelas autoridades. Como o principal intuito é aplicar golpes, não há expectativa de fidelizar o cliente, e os sites são registrados com variações de números e siglas genéricas.
Nas redes sociais, usuários denunciam fraudes de bets ilegais, por não conseguirem sacar o dinheiro depositado ou por causa da instalação de vírus em seus aparelhos ao acessarem as plataformas.
A rotatividade é grande e é difícil precisar quantos atuam de forma ilegal e fazem publicidade.
Um dos aplicativos identificados pela reportagem, por exemplo, é de uma suposta desenvolvedora chamada Ballet Lyn, lançada em 31 de março de 2025. Ele direciona para a 666bet.com, bloqueada desde outubro no Brasil. Outro, de uma desenvolvedora batizada como Naftalielijah, foi inserido nas lojas virtuais neste mês.
O YouTube, que pertence ao Google, recebe dinheiro para publicar cada um desses anúncios. Os valores e alcance não são divulgados.
A divulgação de propaganda de sites sem licença no Brasil é ilegal e pode rendar multa de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões, como explica o advogado Luiz Felipe Maia, que atua no setor. “Isso exige um processo administrativo, que precisa ser iniciado pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda”, disse.
O advogado ressalta que o Marco Civil da Internet preserva as plataformas sobre a divulgação de conteúdo ilegal por parte de usuários, mas a empresa pode ser punida pelas publicidades que veicula.
“Você fez propaganda e está sendo remunerado por isso. Se o conteúdo é reiterado, ele deveria ter um KYC [‘know your costumer’ ou ‘conheça seu cliente’] mais forte”, comentou Maia.
YouTube afirma que, para anunciar, é necessário concordar com essas políticas, ter uma licença do Ministério da Fazenda ativa e certificação prévia do Google Ads. “Quando identificamos uma violação, agimos imediatamente suspendendo o anúncio e, se for o caso, bloqueando a conta do anunciante”, disse a empresa.
A SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas) afirmou que o YouTube reforçou as regras para retirada de conteúdo depois de reuniões com a pasta. O órgão ressaltou que há atuação conjunta com o Conar (Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária) e com o Conselho Digital, que representa as grandes empresas de tecnologia, para combater a publicidade ilegal.
“É importante ressaltar também que a SPA já conseguiu, junto à Anatel, o bloqueio de mais de 11 mil sites ilegais”, afirmou em nota.
Em março, o YouTube determinou a remoção de lives de usuários com conteúdo de apostas que infrinja a legislação. Secretário de Nacional de Apostas Esportivas e de Desenvolvimento Econômico do Esporte, do Ministério do Esporte, Giovanni Rocco diz que a empresa vive um descompasso e cobra que se ajuste a legislação rapidamente.
“O YouTube está fiscalizando as lives, mas ao mesmo tempo faz publicidade de casa de aposta ilegal, e ganha dinheiro com isso”, afirma.
O presidente da ANJL (Associação Nacional do Jogo Legal), Plínio Lemos Jorge, diz que a entidade tem informado os órgãos de fiscalização sobre os endereços de sites ilegais.
“Mas trata-se de uma ampla rede clandestina, altamente tecnológica, que diariamente desenvolve novos mecanismos para burlar o mercado regulado de apostas. Por isso, cada vez é mais importante a participação da Polícia Federal nas investigações”, disse.