BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Duas entidades travam uma queda de braço em torno da eleição dos 27 representantes dos municípios no conselho superior do Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), criado pela reforma tributária para unificar o ICMS estadual e o ISS municipal e que vai controlar cerca de R$ 1 trilhão em receitas.
A disputa é marcada por acusações mútuas de desrespeito às regras e foi parar na Justiça. Na tarde deste sábado (12), o TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios) concedeu uma liminar que, na prática, suspende por ora a realização do pleito, inicialmente marcado para os dias 23 a 25 de abril. O prazo para apresentar as chapas iria até as 18h da próxima segunda-feira (14).
A FNP (Frente Nacional dos Prefeitos) ingressou com uma ação judicial alegando que o calendário foi fixado de forma unilateral pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios), embora ambas as entidades componham a comissão eleitoral. O juiz Paulo Cerqueira Campos, da 11ª Vara Cível de Brasília, acolheu o pedido e suspendeu os efeitos das deliberações.
No centro da briga estão os 13 assentos que serão preenchidos por votação proporcional à população dos municípios, conforme previsto na emenda constitucional da reforma.
A FNP, que tem entre seus filiados capitais e grandes cidades, diz ter havido um acordo para que fosse ela a indicar os ocupantes dessas vagas no conselho. A CNM, que abarca também pequenos e médios municípios, ficaria com as 14 vagas designadas pelo voto igualitário entre as prefeituras.
A CNM nega que haja tal acordo e decidiu lançar chapa para as duas eleições. Esse foi o gatilho para a guerra que se instaurou nos bastidores e que já se desdobra em discordâncias sobre as regras da eleição.
A composição do conselho superior resultante deste primeiro pleito será provisória, com mandato até o fim de 2025. Foi uma saída encontrada pelo governo federal, pelos entes subnacionais e pelo Congresso diante da demora na votação do projeto de lei que trata das regras permanentes de funcionamento do Comitê Gestor do IBS –que ainda está em tramitação no Senado.
O colegiado precisa começar a funcionar para dar andamento às discussões e à aprovação do regulamento do IBS. O imposto deve estar em sintonia com as regras da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal, que entra na fase de testes já no ano que vem.
A Lei Complementar 214, que regulamentou os novos tributos, deu até 90 dias para a indicação dos membros do conselho provisório, prazo que se encerra em 16 de maio. Se não houver consenso entre as entidades municipais até lá, o risco é o colegiado começar a funcionar apenas com os 27 secretários de Fazenda que representarão os estados.
A ausência dos representantes dos municípios não impede o funcionamento do conselho, mas há dúvidas quanto à possibilidade de tomar decisões. O quórum para deliberações está previsto na emenda constitucional da reforma tributária e elenca como uma das condições a maioria absoluta entre os representantes dos municípios. No cenário mais extremo, o imbróglio pode atrasar o regulamento do IBS.
Em 19 de março, representantes da FNP se reuniram com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para tratar do impasse. O chefe da equipe econômica então chamou, para a semana seguinte, uma reunião com membros da FNP e da CNM e com o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator do projeto do Comitê Gestor.
Segundo relatos, o objetivo de Haddad era tentar estabelecer uma conciliação em torno do tema, sobre o qual a União não tem ingerência. O tiro saiu pela culatra, e tanto a FNP quanto a CNM saíram do encontro expondo a falta de acordo.
Pessoas que acompanharam a tramitação da reforma tributária entendem que havia um acordo tácito para que cada uma das duas entidades ficasse com um conjunto de assentos no conselho superior do Comitê do IBS, mas reconhecem que o texto da lei, de fato, permite o lançamento de chapas para ambas as eleições.
Na reunião no Ministério da Fazenda, a CNM chegou a propor uma chapa conjunta com a FNP, na qual a Confederação ficaria com 5 vagas, e a Frente, com as outras 9, mas a proposta foi rejeitada.
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, 1º vice-presidente da FNP, diz à Folha que “o espírito da lei” é o de que a Frente indique os 13 representantes eleitos com base nos votos proporcionais à população. Como isso não ficou expresso textualmente, a entidade vai agora pleitear que a regulamentação permanente do Comitê Gestor assegure cadeiras aos maiores municípios do país.
“O dia que acabar a palavra na política, acabou a política. Nós combinamos, acertamos, é o espírito da lei. O senador Eduardo Braga é o fiador desse processo”, diz Melo. A reportagem não conseguiu contato com o senador.
A CNM nega que tenha havido tal acordo e classifica o argumento de “narrativa falaciosa”. “Tudo provocado pelo Haddad durante a reunião. Eles criaram esse ambiente, porque a lei está posta, a Constituição está posta”, afirmou o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, antes da decisão judicial deste sábado. A entidade ainda não se manifestou após a liminar.
Para além da disputa de vagas, as duas entidades discordam sobre as regras de realização do pleito. Uma das divergências é sobre a possibilidade de os prefeitos votarem por meio de um token enviado ao celular do gestor por SMS. A Frente avalia que isso gera insegurança e facilita o voto por terceiros. Já a Confederação diz ter concordado com a opção de uso das credenciais do gov.br.
Outro ponto de desentendimento é a subscrição dos apoios às chapas. A CNM tem recolhido assinaturas sem revelar os nomes dos servidores municipais que seriam os titulares das vagas. A entidade diz manter segredo porque a concorrente estaria mapeando os indicados para pressioná-los a deixar a chapa. A FNP vê irregularidade no sigilo.
Na decisão liminar, o juiz determina que a Confederação se abstenha de realizar quaisquer deliberações relacionadas ao processo eleitoral sem a participação dos demais membros da comissão, indicados pela FNP. O magistrado ressalta, porém, que “não estão vedadas futuras deliberações tomadas em conjunto pelas partes”.
Melo, da FNP, diz que a entidade está aberta ao diálogo. Ziulkoski, da CNM, diz que caberá à Fazenda desatar o nó. A pasta não se manifestou sobre o tema.