WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Em 13 de abril de 1975, homens armados dispararam contra uma igreja em Beirute, matando quatro pessoas. Horas depois, um massacre deixou quase 30 vítimas em um ônibus. Começava a guerra civil do Líbano. O conflito durou 15 anos, deixou 150 mil mortos e fez quase 1 milhão deixarem o país.

Passaram-se 50 anos desde aquele que ficou conhecido como Domingo Negro. Não foi tempo o suficiente para o país se recuperar. O Líbano –assim como o restante do Oriente Médio– ainda sofre suas consequências. Entre elas, um sistema político inoperante e uma economia despedaçada.

“O denominador comum no Líbano hoje é a desesperança”, diz o historiador Murilo Meihy, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele é co-organizador do livro “Deus e o Diabo Na Terra dos Cedros”, lançado em 2024 pela editora Tabla com ensaios sobre o país.

Meihy afirma que a memória sobre 13 de abril varia de acordo com quem conta a história. Cristãos maronitas culpam os palestinos pelo ataque à igreja. Já os palestinos culpam os cristãos pelo massacre no ônibus. “Mas o que temos é a conjunção de fatores internos e externos.”

O Líbano era parte do Império Otomano, que ruiu depois da Primeira Guerra (1914 – 1918). A França colonizou esse território de 1920 a 1943 e o moldou para ser um país cristão no Oriente Médio. Para isso, reinventou suas fronteiras e o separou da vizinha Síria, com que tinha laços.

Os colonizadores franceses inspiraram um sistema político confessional em que cada grupo religioso tem direito a determinados assentos no Legislativo. Ficou acertado também que o presidente do país é sempre cristão, o premiê é muçulmano sunita e o líder do Parlamento é xiita.

Meihy descreve esse arranjo como uma “herança perniciosa”, uma das bases da guerra civil de 1975. Fez com que a disputa política se entrelaçasse à religião. “Esse pacto nacional deu forças para a formação de milícias e para a militarização da sociedade libanesa”, afirma.

A isso somaram-se dois fatores externos. Primeiro, o contexto global da Guerra Fria e da disputa por influência. Em segundo lugar, a chegada de refugiados palestinos que, expulsos da Jordânia, fizeram de Beirute uma de suas bases. Sua presença alimentou novos solavancos no sistema político.

A situação ficou irreversível depois que a Síria ocupou o leste do Líbano em 1976, e Israel tomou o sul em 1978. “O país passou a ser disputado como uma zona fronteiriça entre Síria e Israel”, contribuindo para a duração da guerra –o seu fim já não dependia de um acordo entre forças internas.

Já em 1982 Israel cercou a capital, Beirute, levando o conflito a um de seus momentos mais dramáticos. Milícias cristãs perpetraram um massacre, sob as vistas de Israel, nos campos de refugiados palestinos Sabra e Shatila. A estimativa de mortos varia de 1.300 a 3.500 pessoas.

O Hezbollah surgiu nesse contexto, com financiamento iraniano, apresentando-se como uma força de resistência contra a ocupação israelense. É, dessa maneira, mais um dos legados das decisões tomadas naquele ano. Isso marcou, também, uma expansão da influência de Teerã.

A guerra civil só acabou em 1990, após um acordo redistribuir o poder entre os grupos religiosos e forçar o desarmamento das milícias, com exceção do Hezbollah. Mas não foi bem uma resolução. As hostilidades cessaram, sim, só que os problemas de base se mantiveram –e continuam presentes.

“Os acordos foram uma concessão depois do esgotamento das milícias”, diz Meihy. Com a anistia e a manutenção dos interesses dos senhores da guerra, pouco mudou de fato, e o país vive o constante receio de retornar àqueles dias violentos. “O fantasma da guerra segue presente.”

A história do Líbano desde 1990 foi marcada por repetidos fracassos políticos e violência, incluindo o assassinato do premiê Rafic Hariri em 2005. Foi só naquele mesmo ano, também, que a Síria encerrou sua ocupação. Em 2006, Hezbollah e Israel disputaram mais uma guerra na fronteira ao sul.

Os anos 2020 foram particularmente ruins. Uma explosão no porto de Beirute deixou 200 mortos e terminou de ruir a economia do país, já debilitada. Empobrecido, o Líbano vive o que especialistas descrevem como uma das piores crises econômicas –do mundo– desde o século 19.

Em 2023, Hezbollah e Israel retomaram as hostilidades, levando a uma campanha de bombardeios israelenses que destruiu partes do país. Vive-se, como nos anos 1970, um padrão de crise interna e intervenção externa. É mais uma das maneiras em que esse conflito nunca acabou.

Têm surgido, nos últimos anos, um movimento de jovens que exigem a reconstrução do Estado libanês a partir de novos parâmetros. Querem retirar a afiliação religiosa dos documentos oficiais. Querem também se casar com membros de outros grupos, algo que não é possível hoje.

Interesses particulares, porém, continuam implodindo o Estado, diz Meihy. “Todas as vezes em que houve tentativas de resolver essas questões, houve momentos de violência”, afirma. “Não há um projeto de reconstrução do Estado que alcance os jovens de uma maneira contundente.”

A guerra civil libanesa e seus desdobramentos

1975

Início da guerra civil, com confrontos entre milícias no país

1976

Ocupação da Síria no leste do Líbano, agravando a situação

1978

Ocupação de Israel no sul do Líbano e embates com palestinos

1982

Invasão de Israel em Beirute, massacre de refugiados palestinos

1982

O Irã cria a milícia Hezbollah como uma força contrária a Israel

1989

Acordos de Taif, na Arábia Saudita, para encerrar o confronto

1990

Fim oficial da guerra civil, com o perdão dos crimes políticos

1992

O bilionário Rafic Hariri é eleito premiê com um apoio saudita

2005

Hariri morre em uma explosão em Beirute; Síria deixa o Líbano

2006

Hezbollah sequestra soldados israelenses; há uma outra guerra

2019

Protestos no Líbano em meio a uma profunda crise econômica

2020

Explosão do porto de Beirute, deixando cerca de 200 mortos

2023

Bombardeios de Israel, no contexto amplo da guerra em Gaza