PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Quando a água do lago Guaíba invadiu o centro de Porto Alegre em maio de 2024, a maioria dos projetos de construção e urbanismo para a região foi colocada em pausa por tempo indeterminado. Seguindo na contramão, um escritório de arquitetura manteve firme o plano de erguer um prédio de 95 metros de altura na movimentada avenida Sete de Setembro –que, durante a enchente, ficou sob quase dois metros d’água.

“Não se pode abandonar o centro de Porto Alegre. Veja tudo o que tem lá e o que ainda tem que se desenvolver. Agora é o momento de impulsionar isso”, diz a arquiteta Carolina Souza Pinto, diretora de projetos da OSPA Arquitetura & Urbanismo.

O centro histórico está parcialmente recuperado e com fachadas renovadas, mas marcas de lama ainda são visíveis quase um ano depois. Alagamentos cada vez mais frequentes em dias de chuva sobrecarregam uma rede pluvial ainda em reconstrução, acentuando os desafios urbanos deixados pela tragédia climática e pelas falhas no sistema de proteção contra cheias.

Ainda assim, Carolina parece manter o otimismo com a revitalização da região, que há décadas enfrenta desafios de segurança, transporte e moradia. “Quanto mais obras e coisas novas forem desenvolvidas lá, mais isso vai incentivar a esfera pública a enfrentar os problemas do contexto urbano. Uma coisa puxa a outra.”

Em fevereiro, o escritório foi premiado com o iF Design Award, uma das principais premiações de design do mundo, concedida pela instituição alemã iF International Forum Design, que organiza o prêmio desde 1953.

O projeto vencedor, na categoria de arquitetura residencial, é o condomínio Cap.1 Três Figueiras, localizado no bairro homônimo, rico, na capital gaúcha.

São 16 apartamentos divididos em quatro blocos, com uma unidade por andar, concebidos no conceito de casas suspensas, com estrutura em formato de escada. Cada um conta com uma piscina privativa na sacada, junto com floreiras.

As áreas comuns do condomínio, como o salão de festas, foram posicionadas na fachada térrea e contam com divisórias retráteis que abrem em direção à rua. Segundo Carolina, esses elementos aumentam a conexão do prédio com os moradores do bairro.

Voltado a um público rico, o empreendimento fica em uma região de altitude elevada, que passou praticamente incólume ao caos que atingiu quase 157,7 mil pessoas e 39,4 mil edificações em Porto Alegre no ano passado.

Agora, o escritório volta os olhos para novos negócios em áreas mais baixas, como o edifício que, quando finalizado, terá 32 andares e será o terceiro mais alto da capital gaúcha.

O projeto residencial de apartamentos e estúdios inclui um passeio para veículos e pedestres no térreo ligando duas avenidas, além de um espaço para operações comerciais e culturais. “Isso traz uma atividade para o público dentro de uma área privada e começa pontualmente uma ativação urbana nessa área do centro”, diz Carolina.

Desde 1958, o Edifício Santa Cruz está no topo da lista de prédios mais altos, com 107 metros de altura, seguido pelo Edifício Coliseu, com 100 metros. Ambos também estão situados no centro histórico e foram atingidos pela enchente.

Eles ainda podem ser superados pelo empreendimento anunciado pela startup catarinense BeWiki, que capta recursos para construir um edifício de 117 metros na região do 4º Distrito –também na área da mancha de inundação.

Após a enchente, o grupo OSPA também assumiu um projeto na reconstrução de São Sebastião do Caí, uma das cidades gaúchas onde comunidades inteiras terão que mudar de lugar por causa do risco hidrológico.

O escritório assina o Parque das Bergamotas, um conjunto urbanístico habitacional para famílias de baixa renda com 44 casas modulares, uma escola e um posto da Brigada Militar. A obra é orçada em R$ 10 milhões e será custeada em parceria entre a prefeitura e associações comerciais da cidade.

“A gente se coloca como um ecossistema de desenvolvimento urbano”, diz o arquiteto Lucas Obino, um dos fundadores do grupo OSPA.

O escritório de arquitetura é um dos eixos de atuação do grupo, que também abriga a fintech Urbe.me, voltada a investimentos imobiliários via crowdfunding, e a plataforma Place, que desenvolve serviços de mapeamento urbano para construtoras e prefeituras. Os três negócios atuam de forma integrada com o Instituto Cidades Responsivas, núcleo de estudos e pesquisas voltado ao planejamento urbano.

Obino diz que a pandemia de Covid-19 aumentou o interesse da população em áreas verdes e espaços amplos, o que foi intensificado no Rio Grande do Sul pelas enchentes. Segundo ele, construtoras e incorporadoras já entenderam o recado.

“O movimento cultural dessa demanda está posto. Se há cinco anos tínhamos que educar a sociedade e os governos, isso hoje já foi feito”, diz Obino. “Agora é implementar e conseguir ter, pelo lado do mercado, a compreensão fina dessas demandas e, do lado do município, a articulação de políticas públicas e gestão urbana efetivas.”