WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Serena se candidatou no início do ano para o mestrado em direito em Columbia. Era seu sonho. A crise política vivida pela universidade nova-iorquina, no entanto, fez com que a americana de 31 anos mudasse de ideia.
Assustada com a repressão a protestos no campus contra a guerra em Gaza, Serena retirou sua candidatura. Informou à universidade que, nesse contexto, não se sentiria segura no campus como uma mulher transgênero. Também por preocupação quanto à segurança, pediu para ser identificada só pelo primeiro nome.
Histórias como a de Serena têm aparecido com frequência nas últimas semanas, em meio a uma relativa perda de prestígio nessa que é uma das melhores universidades dos Estados Unidos. Alunos e ex-alunos criticam a direção por considerá-la subserviente ao cerco imposto pelo governo. Assim, estudantes como Serena decidem estudar em outras instituições, ainda que estas tenham reputação mais modesta.
Columbia esteve no centro dos protestos pró-Palestina dos últimos dois anos, razão pela qual entrou na mira do presidente desde sua posse, em janeiro. Alinhado a Israel, Donald Trump considera que essas manifestações são antissemitas e tem pressionado para que que as universidades as reprimam.
No início de março, o governo retirou US$ 400 milhões (R$ 2,3 bilhões) em fundos e contratos federais da instituição. A punição veio acompanhada de uma série de exigências, incluindo a suspensão de estudantes que participaram dos protestos e a proibição de máscaras no campus para evitar que alunos escondessem suas identidades.
Cedendo à pressão, a universidade expulsou e suspendeu alunos e cancelou os diplomas de outros que já haviam se formado. A diretoria também se comprometeu em permitir que policiais detenham alunos dentro do campus. Essas medidas foram recebidas no mundo acadêmico americano, pautado pela liberdade de expressão, como uma capitulação.
No fim de março, ex-alunos protestaram contra a direção. Foram a um evento de arrecadação e rasgaram seus diplomas. “Quem dera eu pudesse estar diante de vocês e dizer que estou orgulhosa [de ser ex-aluna de Columbia]”, disse Noa Tann, uma das participantes.
O fato de Columbia ter acatado as exigências do governo americano foi o que mais frustrou Serena. Não é uma questão de apoio aos palestinos, ela afirma, mas de sentir que a reitoria não a defenderia caso um dia Trump exigisse que punisse alunos transgênero como ela. “Tive que seguir os meus princípios”, diz. “Eu estava prestes a pegar um empréstimo para pagar o curso sem saber se estaria segura no campus.”
A preocupação de Serena tem justificativa diante de um governo que vem ameaçando os direitos da população trans. Trump recentemente retirou US$ 175 milhões de fundos (R$ 980 milhões) da Universidade da Pensilvânia por permitir que uma aluna transgênero participasse de sua equipe de natação.
A maior parte das punições de Trump, entretanto, está relacionada a casos que envolvem acusação de antissemitismo. Nas últimas semanas, o governo usou o financiamento público -que em alguns casos corresponde a metade do orçamento da universidade- para pressionar escolas de elite como Yale, Princeton e Harvard para que impedissem as manifestações pró-Palestina.
Columbia é o principal campo de batalha nesta investida sem precedentes do republicano. Foi ali que, no início de março, as autoridades detiveram o estudante de origem palestina Mahmoud Khalil, um dos casos mais emblemáticos deste período. Há um simbolismo, em especial, porque era em Columbia que lecionava o grande pensador palestino Edward Said, autor do clássico “Orientalismo”, de 1978.
Sob pressão, a universidade parece escalar o uso de violência contra seus estudantes. Na semana passada, forças de segurança retiraram manifestantes à força -na maior parte, judeus- que tinham se acorrentado no campus em protesto contra a prisão de Khalil.
As redes sociais e os fóruns de discussão, como o site Reddit, estão repletos de relatos como o de Serena. A reportagem conversou também com uma ex-aluna da graduação de Columbia, formada em 2021, que desistiu de voltar para o mestrado em direito. Pediu para ser identificada com o pseudônimo Megan para evitar represálias. Tem cerca de 25 anos.
“Estão demitindo professores e expulsando estudantes”, diz Megan, descrevendo a situação como tensa e instável. “É simples: não é mais um bom ambiente para o aprendizado ou a liberdade de expressão.”
Megan afirma que, além de ter desistido de sua candidatura, convenceu alguns de seus amigos a não se candidatar ou a recusar ofertas de Columbia. “Temos a responsabilidade de mostrar que essas ações contra a liberdade acadêmica não são aceitáveis e fazem com que a escola seja indesejável”, afirma. “Columbia manchou a sua reputação.”