BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – A Alemanha tem um novo governo. Conservadores da aliança CDU/CSU e sociais-democratas do SPD confirmaram que chegaram a um acordo de coalizão 45 dias depois das eleições parlamentares. Friedrich Merz, 69, deve ser eleito primeiro-ministro em 7 de maio. “A Alemanha terá um governo capaz de agir e capaz de ser forte em suas ações”, declarou o futuro premiê, nesta quarta-feira (9), em Berlim.

Itens que pareciam intransponíveis até a semana passada, como imigração, Previdência e energia, ganharam solução rápida diante da guerra comercial precipitada por Donald Trump, que atingia a União Europeia com tarifas de 20% sobre todos os seus produtos e 25% sobre aço, alumínio e carros na hora do anúncio. Maior exportadora do bloco, a Alemanha vive uma situação dramática, na descrição do futuro premiê.

Em linhas gerais, o acordo endurece a política imigratória, reverte políticas energéticas impopulares, reafirma o apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia e traça planos de modernização e digitalização da economia. “A Alemanha está de volta aos trilhos”, afirmou Merz, em inglês, quando questionado sobre qual mensagem enviaria para Trump. “A Alemanha vai cumprir suas obrigações em termos de defesa e está disposta a fortalecer sua competitividade. Levaremos junto a União Europeia.”

Antes considerado um dos políticos mais pró-EUA da Europa, Merz já classificou a administração Trump de não confiável e gastou capital político para aprovar o maior pacote de estímulo da Alemanha desde a reunificação ainda no Parlamento antigo. A manobra, que prevê gastos sem precedentes em defesa e € 500 bilhões (R$ 3,28 trilhões) para atualizar a infraestrutura do país pelos próximos dez anos, foi projetada para diminuir a dependência alemã dos EUA e fazer frente ao novo cenário geopolítico europeu.

Lars Klingbeil, colíder do SPD e principal negociador do partido na coalizão, declarou que o suporte à Ucrânia continuará pleno e que a Alemanha trabalhará para incluir o país na Otan, a aliança militar ocidental, um dos alegados motivos para a invasão russa, em 2022. Refugiados ucranianos, porém, perderão o status especial que lhes garantia asilo automático. Apenas em 2024, mais de um milhão chegaram à Alemanha.

A aprovação do pacote de estímulo, no mês passado, fez o nome de Merz decolar no noticiário internacional, a bolsa disparar e ainda mexeu com o mercado de títulos públicos, em que o Bund, o papel alemão, é referência. No cenário doméstico, no entanto, o pacote foi recebido com ceticismo por políticos e agentes financeiros. Encerrar décadas de austeridade, marca de Angela Merkel, rival política de Merz no partido democrata-cristão, teve um grande custo de popularidade.

Nesta semana, pela primeira vez, a AfD, o partido de extrema direita da Alemanha, superou a CDU numericamente nas pesquisas eleitorais, que são realizadas semanalmente no país. Segundo levantamento da Ipsos, a legenda populista de Alice Weidel, que tem membros investigados por discurso de ódio e neonazismo, alcançou 25% das preferências, contra 24% da sigla de Merz.

Segundo o futuro primeiro-ministro, o acordo com o SPD traz uma “base muito boa” para repelir o partido populista, dono da segunda bancada do Bundestag e que projeta chegar ao poder na Alemanha até o fim desta década. “Se as pessoas sentirem que o centro político não só pode identificar os problemas do país, como também resolvê-los, isso limitará o espaço de ação dos extremistas.”

Merz afirmou que vai cumprir a promessa de fronteiras fechadas. Os planos da coalizão também cortam uma série de benefícios para solicitantes de asilo. Markus Söder, líder da CSU, foi irônico ao dizer que o país voltaria a 2015. Naquele ano, a então primeira-ministra, Merkel, tomou a decisão histórica de abrir as fronteiras para refugiados que estavam sendo hostilizados no resto da Europa.

O documento de 146 páginas assinado pelos partidos ainda prevê outros acenos com potencial de agradar setores da população. Há corte de impostos, de custo de energia, fim de exigências burocráticas, a volta do subsídio para compra de carros elétricos e híbridos e a abolição de uma contestada “lei de aquecimento”, que incentiva prédios e consumidores a atualizar seus sistemas. A coalizão defende “uma volta aos padrões europeus” de exigência ambiental, o que pode afastar a Alemanha da vanguarda dos regulamentos do setor.

Os Verdes, principais incentivadores da rigidez das regras nos últimos anos, criticaram o plano, classificando-o de retrocesso.

Reverter a tendência das pesquisas de opinião, no entanto, não será tarefa fácil, já que as soluções da coalizão não trarão respostas imediatas. O choque tarifário de Trump apenas piora as coisas. A perspectiva para a economia alemã neste ano é de crescimento de apenas 0,1%, contra 0,8% da previsão anterior, divulgada em setembro de 2024. O país caminha para o terceiro ano de recessão, algo que nunca aconteceu no pós-guerra.

A divisão de ministérios sinaliza que Merz quer assumir a frente de algumas de suas promessas de campanha, como a modernização da burocracia do país, o estímulo ao crescimento e a política externa. A CDU deve ficar com as pastas de Economia, Relações Exteriores, Transporte e Digitalização do Estado. O SPD deve permanecer na Defesa, com Boris Pistorius, o nome mais popular do partido, Finanças e Meio Ambiente.

Estuda-se também a criação de um Ministério do Esporte que se dedicaria ao plano de o país receber os Jogos Olímpicos em 2036.