BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As recentes crises geopolíticas elevaram a prioridade que os países têm colocado sobre o setor de defesa, mas isso não pode significar a redução do foco sobre políticas de clima, diz Wopke Hoekstra, comissário da União Europeia para o Clima.
“Claramente, a geopolítica e a segurança subiram de nível [de prioridades]. Mas ainda assim, não há alternativa a não ser continuar com a ação climática, pela simples razão de que se nós, como comunidade global, não fizermos mais, o custo só vai aumentar”, afirma à Folha de S.Paulo, durante visita oficial a Brasília.
O político holandês comanda a pasta na Comissão Europeia braço executivo do bloco responsável pelos compromissos climáticos.
Segundo ele, alguns países emergentes deveriam contribuir mais com recursos para “pagar a conta” das medidas contra o aquecimento global, mas isso não é o caso para a maioria do mundo em desenvolvimento.
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PERGUNTA – A Europa aumentou significativamente sua preocupação com segurança seja pela guerra na Ucrânia, seja pelo distanciamento dos EUA. Como isso afeta a agenda climática?
WOPKE HOEKSTRA – Estamos enfrentando uma combinação de crises. Uma geopolítica, particularmente por causa da horrível guerra que os russos estão travando na Ucrânia. Estamos vivenciando também a assertividade chinesa, não apenas no Indo-Pacífico como no solo europeu.
Claramente, a geopolítica e a segurança subiram de nível [de prioridades]. Mas, ainda assim, não há alternativa a não ser continuar com a ação climática, pela simples razão de que se nós, como comunidade global, não fizermos mais, o custo só vai aumentar. Faz todo sentido, por mais difícil que seja, continuar a nos unir e concentrar nossos esforços em mais medidas de mitigação e adaptação.
P – Com a saída de Trump do Acordo de Paris, grandes países em desenvolvimento, como o Brasil, deveriam contribuir mais com financiamento climático internacional?
WH – O Brasil está colocando todo o seu peso para tornar a COP30 um sucesso. Isso importa muito porque o poder de convocação do Brasil é absolutamente fundamentais para fazer da próxima COP um êxito. Em segundo lugar, a Europa é responsável por apenas 6% das emissões globais. Ou seja, 94% das emissões ocorrem fora da União Europeia.
Ao mesmo tempo, estamos pagando por um terço do financiamento climático internacional. O terceiro ponto: é mais do que lamentável que os EUA estejam se afastando de Paris. [Eles são] a maior economia do mundo, o maior poder geopolítico e o segundo maior emissor.
Na nossa opinião, o mais adequado seria mais responsabilidade, não menos. Sobre como vamos pagar a conta, o mais justo é olhar além da categorização de 30 anos atrás entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Nossos amigos de Singapura, mas também os Emirados Árabes Unidos e alguns outros atores do Golfo, fizeram progressos tremendos em termos de riqueza, o que os coloca em uma posição onde também poderiam assumir mais responsabilidade no pagamento da conta. Mas isso não é o caso para o mundo em desenvolvimento em geral. É preciso ser muito específico.
P – O Brasil deveria contribuir com mais?
WH – O Brasil está fazendo um trabalho incrível. Se você olhar para todos os números, em termos de energias renováveis, são espetaculares. O Brasil claramente está fazendo a sua parte.
P – O que a COP30 deve alcançar para ser considerada um sucesso?
WH – A primeira é que todos os países apresentem suas NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas, as metas de redução de emissões]. Ainda assim, essas NDCs são números que exigem a realização no mundo real.
Precisamos de concretude, de marcos e trajetórias que nos movam para frente. A segunda coisa, algo em que o Brasil também deu um grande passo, é o domínio dos mercados de carbono. Só posso falar sobre a experiência europeia.
Se eu fosse destacar uma coisa que fez a maior diferença em termos de política climática, é o nosso sistema de comércio de emissões. A UE está fazendo isso, o Brasil e Canadá também. Acho que um segundo critério de sucesso da COP será se o Brasil, a Europa e outros países conseguirem ampliar esse grupo.
P – Brasil e o Azerbaijão estão trabalhando no roteiro para que se chegue ao objetivo de US$ 1,3 trilhão em recursos para ações climáticas. Como a UE atua nesse debate?
WH – O que já fizemos na última COP foi reafirmar nosso compromisso de fazer mais do que nossa parte justa, não apenas em mitigação dentro de casa, mas também no financiamento climático internacional.
A Europa também está sobrecarregada por dívidas e enfrenta uma série de crises, mas ainda assume uma liderança significativa na ação climática. O que o Brasil e a Europa compartilham é que um número, mesmo que seja da magnitude de US$ 1,3 trilhão, só nos leva até certo ponto.
Você precisa garantir que isso se torne concreto. Uma grande parte é dinheiro do setor privado. Trazer isso para a mesa não é nada fácil, mas muito necessário.
P – Considera a meta de manter o aquecimento em 1,5ºC ainda factível ou deveríamos assumir que ela não mais será realizada?
WH – Ainda é possível, embora claramente difícil. Mas difícil não é uma desculpa que as próximas gerações vão aceitar.
Há grupos políticos no Parlamento Europeu que defendem a flexibilização da meta prometida de reduzir 90% das emissões na UE até 2040. O sr. concorda?
Vamos apresentar uma meta muito ambiciosa para 2040. Como Comissão [Europeia], temos como objetivo uma meta de 90%. Estamos tentando construir uma maioria no Parlamento Europeu, mas também entre as capitais europeias. Sou otimista de que vamos chegar lá, e isso ficará pronto antes de Belém.
P – Créditos de carbono internacionais podem ser contabilizados para que os países europeus atinjam suas metas?
WH – Isso atualmente não está em discussão.
P – O acordo UE-Mercosul esteve por anos travado por causa da política ambiental do Brasil. Considera as preocupações europeias superadas?
WH – Certamente. Tive a oportunidade de olhar os números, o governo atual conseguiu reduzir o desmatamento em 35% em um ano ou um ano e meio. Um período muito curto, mais de um terço do problema resolvido. Isso é algo que você não vê com muita frequência na política.
Isso realmente exige muito foco, estratégia e execução. Se você somar todos os aspectos econômicos, aspectos ambientais, climáticos, todas as salvaguardas que estão incorporadas [ao acordo], é realmente muito calibrado.
P – Brasil e Europa têm opiniões divergentes sobre o papel dos biocombustíveis na transição energética. Como endereçar essa divergência?
WH – É perfeitamente aceitável e compreensível que os países sigam trajetórias ligeiramente diferentes para alcançar a neutralidade de carbono. [Na Europa] temos estados membros que têm uma grande vantagem por causa dos investimentos que já fizeram na capacidade da rede elétrica.
Também temos debates na UE sobre a energia nuclear, que é extremamente importante para cerca de dois terços dos nossos membros alguns são menos entusiastas. Acho que isso é algo que devemos aceitar, ter um certo grau de flexibilidade no “como” desde que sejamos e persistentes no “por quê”.
RAIO-X
Wopke Hoekstra, 49
Comissário Europeu desde 2023, reconduzido à Comissão na segunda administração de Ursula von der Leyen. Foi ministro das Finanças dos Países Baixos e, depois, vice-premiê e ministro das Relações Exteriores. Antes de ingressar no governo, foi sócio da McKinsey & Company no escritório de Amsterdã.