BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – F-150 é o carro mais vendido nos EUA. É um monstro de 405 cavalos e 2,5 toneladas, que no Brasil, em versão luxuosa, custa R$ 545 mil. O modelo não é ofertado na Europa. Não é uma questão de preço, mas de mercado. A picape não atende exigências de consumo e alguns parâmetros de regulação do bloco. Não caberia também na maioria das vagas de estacionamento do continente.

Das tantas apostas que as tarifas de Donald Trump carregam, a de que o mercado automobilístico da Europa vai mudar por decreto é uma das mais altas. Desde quinta-feira (3), a chegada de veículos importados aos EUA é taxada em 25%. A União Europeia discute um pacote de reação, mas estabeleceu um prazo para as negociações depois que o presidente americano anunciou, na quarta-feira (2), uma sobretarifa de 20% sobre produtos do bloco de 27 países.

Na segunda-feira (7), Trump afirmou a jornalistas na Casa Branca que os carros americanos não eram vendidos na Europa porque o o bloco estaria usando as regulações de segurança como “tarifas não monetárias”. Exagerou na argumentação ao descrever um crash test que nem um veículo europeu superaria. “Criam regras e regulamentos que são projetados apenas por um motivo: para que você não possa vender seu produto nesses países”, declarou.

Especialistas do setor, porém, afirmam que o problema está nos modelos americanos, que não se submetem aos muitos requisitos de mercados externos. No sentido inverso, modelos europeus se adaptam ao consumidor dos EUA, dinâmica que vem desde os anos 1970 e 1980, quando as marcas japonesas invadiram o país.

Maior exportador da UE, a Alemanha é especialmente afetada pela ofensiva de Trump. No ano passado, 445 mil veículos fabricados no país foram despachados para os EUA, no valor de US$ 24,8 bilhões (R$ 137,6 bilhões). Estudo do Instituto Econômico Alemão (IW) estima que as perdas para a Alemanha podem chegar a € 200 bilhões (R$ 1,26 trilhão) durante os quatro anos de mandato do empresário, ou 1,5% do PIB.

A Volkswagen, que comercializou 380 mil carros no país no ano passado, já informou às concessionárias locais que uma taxa de importação será acrescida aos preços dos veículos até o fim deste mês. Mesmo os modelos fabricados em solo americano, como o elétrico ID.4, serão reajustados, já que parte considerável de seus componentes é importada. As tarifas de Trump atingirão também autopeças a partir de maio.

A Audi, marca de esportivos de luxo que pertence ao grupo Volkswagen, suspendeu nesta segunda-feira (7) o envio de automóveis para os EUA. A empresa tem 37 mil carros estocados em lojas, o equivalente a dois meses de vendas, que chegaram ao país antes das tarifas. A ideia é usar o prazo para ver como as negociações se assentam.

A situação da montadora de Ingolstadt é mais delicada, pois não possui fábricas em solo americano. Seu modelo mais vendido no país, o Q5, é produzido no México, alvo de Trump desde sua posse em janeiro —segundo a consultoria Cox Automotive, carros fabricados no México ou no Canadá custarão em média US$ 6 mil (R$ 35 mil) a mais.

Outras unidades vendidas nos EUA saem de plantas da Audi na Alemanha, na Hungria e na Eslováquia, em uma pequena amostra de como as cadeias de produção da indústria automotiva são complexas, fato que o governo Trump faz força para ignorar.

Desde a campanha eleitoral, no ano passado, o presidente americano reivindica a transferência de fábricas e empregos de montadoras europeias para os EUA. Chegou a citar a BMW em um discurso, como já havia feito em 2017, pouco antes de iniciar seu primeiro mandato. Em entrevista ao jornal Bild, à época, demonstrou indignação com o fato de as marcas alemãs venderem muitos carros nos EUA, mas o oposto não acontecer, por exemplo, com a Chevrolet. Trump, aparentemente, não sabia que a General Motors, dona da Chevrolet, era proprietária também da Opel desde os anos 1930.

A marca alemã, que começou fazendo máquinas de costura, foi vendida no mesmo ano para o grupo PSA, hoje parte do conglomerado Stellantis. No ano passado, alcançou quase 6% do mercado em seu país, tendo como destaque o modelo Astra, que chegou a ser fabricado e vendido no Brasil nos anos 1990 e 2000. Modelos mundiais, compactos e econômicos fazem parte da receita do mercado europeu, muito distinto do americano.

Os atuais 25% de Trump, na aritmética da Casa Branca, combatem os 10% que são impostos aos veículos americanos pela UE. A tarifa é alta comparada aos 2,5% que os EUA cobravam até a semana passada. A situação só existe, porém, porque o país, durante a primeira passagem do empresário pela Casa Branca, negociou, mas não concluiu um tratado comercial que equalizava as condições tarifárias.

Executivos de montadoras e fabricantes de autopeças alemãs têm outra interpretação para a ofensiva americana, que vai além dos postos de trabalho que Trump tanto promete. Há uma preocupação de Washington com o futuro da mobilidade autônoma, setor em que as empresas europeias, em tese, podem fazer frente às rivais chinesas.

Ao mesmo tempo, a BYD, que vai ofertar sistemas de direção autônoma de graça em seus modelos na China, negocia a instalação de uma fábrica na Europa. O plano inicial era uma planta na Hungria, mas já se fala de uma tentativa da empresa de transferir o projeto para a Alemanha, o que teria implicações regulatórias, para não dizer geopolíticas.

A tecnologia de carros autônomos é um filão bilionário para empresas de tecnologia como Google e Nvidia e também uma preocupação de segurança nacional para os americanos, que não querem veículos chineses coletando dados nas estradas do país.