(FOLHAPRESS) – No Rio de Janeiro do início da década de 1930, quando Getúlio Vargas tinha acabado de chegar ao poder por meio da Revolução de 30, os arquitetos da então capital do país estavam divididos basicamente em três correntes, lembra o documentário “Quando o Brasil Era Moderno”, uma das atrações desta edição do festival É Tudo Verdade.

Existiam aqueles ligados ao estilo acadêmico-eclético, presos às antigas escolas europeias. Havia os defensores da arquitetura neocolonial, que buscavam retomar os motivos decorativos do período colonial em nome de uma tradição brasileira. E, por fim, os modernistas buscavam seu espaço.

O governo de Getúlio queria marcar diferença em relação à Primeira República em diversos setores, inclusive nas grandes obras públicas. Assim, vários ministérios ganharam sedes novas naquela época.

Em 1935, Gustavo Capanema, à frente da pasta que unia Educação e Saúde, lançou um concurso para escolher o projeto do novo prédio do seu ministério. O vitorioso foi Archimedes Memória, diretor da Escola de Belas Artes e nome ligado ao integralismo, a ultradireita da época.

As saídas propostas por Memória, sabia Capanema, em nada configuravam uma renovação estética, o que levou o ministro a cancelar o concurso, como mostra o documentário. Em seguida, Capanema convidou o jovem Lúcio Costa para comandar o trabalho.

Além de pedir uma consultoria ao franco-suíço Le Corbusier, Costa montou uma equipe com Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira e Ernâni Vasconcelos. Um estagiário que trabalhava no escritório de Vasconcelos se juntou ao grupo, chamava-se Oscar Niemeyer.

Com pilotis que liberam o solo para que o térreo possa ser aproveitado como uma praça de livre circulação, entre outras inovações, esse marco do modernismo brasileiro começou a ser construído em 1937 e só foi concluído em 1945. Muito provavelmente só se tornou realidade, com tantas soluções incomuns para a época, porque Capanema teve vida longa no comando do ministério -só deixou a pasta em outubro de 1945.

Com o término da obra, os conceitos do modernismo passaram a prevalecer sobre as visões das demais correntes, um movimento que resultaria na construção de Brasília nos anos 1950 e que seria contido com o golpe de 1964.

Mais conhecido hoje como Palácio Gustavo Capanema, o edifício é a peça-chave do documentário dirigido por Fabiano Maciel, que havia lançado “A Vida É um Sopro”, sobre Oscar Niemeyer, em 2007.

Além de contar histórias sobre a construção erguida no centro do Rio, “Quando o Brasil Era Moderno” nos leva a observar o edifício por todos os ângulos. Tira proveito do fato de o Palácio Capanema ter passado recentemente por obras de restauração, que se estenderam por mais de uma década.

Sem pressa, como se estivesse extasiada diante objeto filmado, a câmera registra os jardins de Burle Marx, os temas marítimos do mural de Portinari e a escultura “Monumento à Juventude Brasileira”, de Bruno Giorgi.

Essas passagens são o momento sublime desse encontro do cinema com a arquitetura, baseado no livro “Moderno e Brasileiro”, de Lauro Cavalcanti. Mas o filme não se restringe ao edifício de Costa, Niemeyer e cia.

Em outros trechos, o entusiasmo diante da beleza e da eficiência dá lugar aos impasses da vida brasileira, quando não à desesperança. Em uma gravação realizada poucos anos antes de morrer, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha se vê diante da pergunta: o Brasil é moderno? “Luta-se, mas não se consegue. É um país muito atrasado”.

Para a artista Rosana Paulino, “nós não chegamos ao moderno enquanto país de maneira nenhuma. Toda vez que a gente avança um pouquinho, puxam o país para a condição de colônia.”

Em um intercâmbio de linguagens, o documentário recorre ainda a clássicos do cinema brasileiro que comentam, de modo alegórico, a maneira como nós lidamos com o moderno na arquitetura. A mais profícua relação se dá com “São Paulo Sociedade Anônima”, filme dirigido por Luiz Sérgio Person e lançado em 1965.

No diálogo que se estabelece entre Person e Fabiano Maciel, o moderno é um projeto nunca realizado plenamente. Depois de desistir de abandonar a metrópole, Carlos -personagem de Walmor Chagas- anda, desorientado, por um viaduto sobre o Vale do Anhangabaú. Ouve-se ao fundo: “Recomeçar, aceitar, recomeçar.”

QUANDO O BRASIL ERA MODERNO

Avaliação Muito bom

Quando É Tudo Verdade: Seg. (7), às 20h30, no Cinesesc, ; ter. (8), às 17h, na Cinemateca Brasileira

Classificação Livre

Produção Brasil, 2025

Direção Fabiano Maciel