BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um dia antes de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar um tarifaço que pode atingir uma série de produtos brasileiros, o governo e a bancada ruralista se uniram pela aprovação do PL projeto de lei que impõe a reciprocidade de regras ambiental e comercial nas relações do Brasil com outros países.
O PL (2088/2023), relatado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), foi aprovado de forma terminativa, pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal. Isso significa que não há necessidade de ir ao plenário e que, agora, seguirá diretamente para a Câmara, para votação em regime de urgência. O projeto já foi aprovado pela CMA (Comissão de Meio Ambiente) do Senado. Um pedido foi enviado ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que seja apreciado já nesta quarta-feira (02).
A reação brasileira ao movimento do presidente americano representa um momento raro em Brasília, no qual os parlamentares ruralistas, que representam a maior bancada do Congresso, se alinharam ao governo Luiz Inácio Lula da Silva para impor uma resposta à taxação generalizada promovida por Trump aos produtos brasileiros.
O projeto de lei, então relatado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), tinha como proposta original ser uma resposta à crescente imposição de barreiras ambientais unilaterais pela União Europeia, como a “lei antidesmatamento” que tem previsão de entrar em vigor a partir de 31 de dezembro deste ano.
O texto substitutivo da senadora Tereza Cristina impõe medidas de reação àquilo que é visto como práticas protecionistas disfarçadas com a bandeira da sustentabilidade, além de prever medidas para reequilibrar o jogo comercial. Embora a motivação original fosse a defesa do agro brasileiro frente às restrições ambientais da Europa, o texto atual define como alvo qualquer país ou bloco econômico que decida adotar medidas unilaterais e ações que prejudiquem a competitividade internacional de bens e produtos brasileiros, não apenas do agronegócio.
O modelo permite ao Brasil adotar contramedidas comerciais e diplomáticas proporcionais quando países ou blocos econômicos impuserem barreiras ambientais injustificadas aos produtos brasileiros. A Camex (Câmara de Comércio Exterior) passa a ter papel central na aplicação de medidas, garantindo uma abordagem mais técnica e menos suscetível a distorções políticas.
Em vez de barreiras automáticas, o novo texto prevê consultas diplomáticas coordenadas pelo Ministério das Relações Exteriores, possibilitando a resolução de conflitos de forma negociada antes da aplicação de contramedidas.
O novo texto permite ao Brasil suspender concessões comerciais e de investimentos, bem como reavaliar obrigações em acordos de propriedade intelectual, garantindo mais flexibilidade na defesa dos interesses nacionais.
Em paralelo, o substitutivo evita questionamentos na OMC (Organização Mundial do Comércio), assegurando que as medidas adotadas pelo Brasil respeitem os tratados internacionais e evitando potenciais retaliações comerciais. Como mostrou a Folha de S.Paulo, o Brasil carece de um arcabouço legal para responder a barreiras econômicas impostas por outros países ou blocos.
Conforme informações obtidas pela Folha de S.Paulo, o texto foi avaliado por uma equipe técnica do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), a qual concluiu que a versão atual do projeto se tornou “um instrumento mais equilibrado e estratégico para a defesa dos interesses do Brasil no comércio internacional”, com possibilidade de gerar um “impacto positivo alto”. Por isso, teve posicionamento “favorável” do governo.
Segundo o Mapa, “o novo texto garante maior previsibilidade, fortalece a posição brasileira nas negociações internacionais e evita riscos desnecessários ao setor produtivo”.
A versão final do PL também foi costurada com atuação do MRE (Ministério de Relações Exteriores) e do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio).
A necessidade de adotar medidas internas, segundo o projeto, deve-se não apenas às investidas unilaterais como as de Trump, mas à atual paralisia do sistema de comércio multilateral supervisionado pela OMC desde 1995.
A entidade tem lidado com a suspensão das atividades do órgão de apelação do seu sistema de solução de controvérsias desde o ano de 2020, o que dificulta a possibilidade de um terceiro isento apreciar disputas comerciais e determinar sanções contra eventuais transgressores das normas internacionais.
Na prática, a ideia é que possa haver reação equivalente quando países impuserem medidas ambientais e comerciais que interfiram na soberania brasileira, contrariem acordos comerciais ou exijam padrões ambientais mais rígidos que os brasileiros, com base no que já estabelecem o Código Florestal e o Acordo de Paris.
Na semana passada, o presidente Lula disse, durante entrevista no Japão, que tem “duas decisões a fazer” em resposta à taxação imposta pelo presidente Donald Trump. “Uma é recorrer na Organização Mundial do Comércio [OMC], e nós vamos recorrer”, disse. “E a outra é a gente sobretaxar os produtos americanos que nós importamos. É colocar em prática a lei da reciprocidade.” Justificou: “Não dá para a gente ficar quieto, achando que somente [eles] podem taxar”.