SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A greve nacional de entregadores de aplicativos, que começou na manhã desta segunda (31), teve adesão em cerca de 70 cidades, incluindo todas as capitais, segundo o SindomotoSP (sindicato que representa os profissionais). A categoria, que reivindica melhores condições de trabalho e reajuste, programou a mobilização de dois dias e promete novos atos para esta terça-feira (1º).

A reportagem ouviu entregadores de diversas regiões do país, que relataram casos de pedidos com atraso ou cancelados, além de restaurantes que teriam fechado para evitar perdas com a paralisação. O restaurante Pratada São Paulo, na região central da capital paulista, foi um dos que não abriu em apoio à mobilização. Segundo o proprietário Adss Moreira, na manifestação de 2024 o atendimento também foi suspenso.

Os profissionais prestam serviços para uma série plataformas. O iFood, maior do setor, informou que monitorava as manifestações, mas não detalhou o impacto nos restaurantes. A empresa disse que trabalha para manter a operação funcionando e que 60% dos pedidos são entregues pelos próprios restaurantes.

O MID (Movimento Inovação Digital), que reúne mais de 180 empresas, incluindo o Rappi, diz reconhecer e respeitar o direito constitucional dos entregadores de se manifestar de forma pacífica e que participa das discussões sobre as condições de trabalho dos profissionais do setor.

No perfil “Breque Nacional do Apps”, trabalhadores da categoria têm se manifestado sobre a paralisação.

JR Freitas, que integra uma das organizações responsáveis pelas paralisações desta segunda, disse que o iFood recebeu as lideranças do ato, no escritório da companhia em Osasco, mas não deu uma resposta às demandas dos entregadores.

A reportagem apurou que Johnny Borges, diretor de impacto social do iFood, e João Sabino, diretor de políticas públicas, foram os escalados para a reunião. As pautas levadas já haviam sido apresentadas pelos entregadores no início do mês.

“Fizemos nosso trabalho hoje e a greve continua. Infelizmente o iFood recebeu a gente lá dentro, falou que ia analisar, mas não deu uma resposta concreta. E sem essa resposta é impossível a gente parar agora para esperar a boa vontade deles”, disse Freitas.

O iFood confirmou a reunião com os trabalhadores. Disse que foram discutidas as principais demandas apresentadas pelo movimento e ficou acordado que será feita uma nova reunião para resolver o caso.

Os trabalhadores reivindicam a criação de uma taxa mínima de R$ 10 por entrega, o aumento do valor pago por quilômetro rodado de R$ 1,50 para R$ 2,50, a limitação do raio de atuação das bicicletas a até três quilômetros e o pagamento integral pelos pedidos agrupados. Os organizadores da greve também denunciam práticas antissindicais, como incentivos financeiros para desencorajar a participação dos entregadores na mobilização.

“Um dos principais desafios é o reconhecimento das empresas de que esses trabalhadores são parte do quadro efetivo de funcionários, e não colaboradores. Embora não seja uma vinculação tradicional, existe uma relação de subordinação e controle por meio dos algoritmos”, afirma o presidente do SindimotoSP, Gil Almeida dos Santos, que estima que a categoria tenha cerca de 1,8 milhão de entregadores e mototaxistas.

Circulam nas mídias sociais vídeos de entregadores que foram impedidos de seguir com as entregas. Os registros mostram grupos de manifestantes que reclamavam dos entregadores que não aderiram à paralisação –em dois deles, o grupo faz o motoboy descer da moto com a entrega na mochila e, no outro, o pneu é esvaziado.

O presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci, disse que a adesão dos entregadores foi menor do que se esperava no setor e lamentou os relatos de pressão dos manifestantes contra os entregadores que queriam trabalhar. Para o executivo, o pleito dos trabalhadores é justo, porém os abusos são lamentáveis.

“O movimento foi muito mais fraco do que o alardeado. Tivemos problemas em poucas cidades, como Salvador no sábado e domingo, Rio de Janeiro um tanto hoje e Florianópolis também. Goiânia teve um almoço complicado, fora isso, tudo muito pontual”, disse Solmucci à reportagem.

Belo Horizonte, São Luís e Belém foram algumas das cidades com registros em vídeo de entregadores que se desentenderam.

“Recebemos muitas denúncias de motoqueiros autônomos sendo fisicamente ameaçados pelos paradistas. É lamentável que abusos assim ocorram em um movimento justo nos pleitos”, disse o presidente da Abrasel.

A reportagem teve acesso a um posicionamento enviado pelo iFood para os entregadores do Breque Nacional. Nele, a empresa diz que está atenta ao cenário econômico e que estuda a viabilidade de um reajuste para 2025. O iFood também argumenta que, nos últimos três anos, houve o aumento do valor mínimo da rota de R$ 5,31 para R$ 6,50.

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), entidade que representa oficialmente plataformas de entrega, como Uber, 99 Taxi e iFood, diz que respeita o direito de manifestação e informa que suas empresas associadas mantêm canais de diálogo contínuo com os entregadores.

Com relação à remuneração dos entregadores, a associação aponta que, de acordo com o último levantamento do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), a renda média de um entregador do setor cresceu 5% acima da inflação entre 2023 e 2024, chegando a R$ 31,33 por hora trabalhada.   

“As empresas associadas da Amobitec apoiam a regulação do trabalho intermediado por plataformas digitais, visando a garantia de proteção social dos trabalhadores e segurança jurídica das atividades”, diz a entidade.

Em nota, o Rappi diz que reconhece o direito à livre manifestação pacífica e que está buscando soluções que possam favorecer os profissionais.

“Quanto à remuneração, e atenta aos custos relacionados aos aumentos dos combustíveis, a empresa realizou ajustes nas tarifas recebidas pelos entregadores independentes recentemente”, afirma a empresa.

Segundo o Rappi também é concedido aos entregadores centros de atendimento presenciais, suporte em tempo real, capacitação online, informativos com dicas de segurança no trânsito, botão de emergência para situações de risco de saúde ou segurança, seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental.

“O Rappi considera que a sustentabilidade de seu ecossistema digital somente é possível quando os três elos de sua cadeia estão amparados, dentre os quais estão os entregadores independentes cadastrados na plataforma”, diz a empresa.

O advogado Hugo Fonseca, do escritório Mauro Menezes & Advogados, afirma que a mobilização é uma resposta coletiva à ausência de direitos.

“Enquanto as empresas de aplicativos vendem a ideia individualista de um suposto empreendedorismo, este movimento mostra que os trabalhadores têm consciência de que, na verdade, são parte de uma relação de trabalho desigual que precisa ser regulada. Trata-se de um momento de ampla relevância para o sindicalismo brasileiro e para os direitos sociais e que, por isso, merece o apoio de toda a sociedade”, diz o advogado.

REGULAMENTAÇÃO

A regulamentação de motoristas de aplicativo deve ser julgada ainda este ano pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) por meio do projeto de lei complementar 12.

O relatório está pronto desde julho e o texto mantém a categoria de motorista de aplicativo de transporte de passageiros como nova profissão, autônoma e sem vínculo pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), como o MTE havia proposto após dez meses de reuniões entre governo, empresas e trabalhadores em 2023.

O projeto foi enviado ao Congresso em fevereiro de 2024 e prevê alíquota de contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em 7,5% sobre parte dos rendimentos, remuneração mínima com base no salário mínimo e direito à sindicalização. As empresas também pagarão contribuição à Previdência.

O tema está em debate no STF, que aguarda para julgar ação sobre o trabalho em aplicativos.