PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – A pré-candidata à Presidência da França Marine Le Pen está potencialmente fora das eleições de 2027 após ser condenada, nesta segunda (31), por desviar fundos do Parlamento Europeu para o caixa de seu partido, a Reunião Nacional (RN), quando era eurodeputada.

Os juízes do Tribunal Correcional de Paris decidiram que ela não pode concorrer a cargos públicos por cinco anos —sentença que entra em vigor imediatamente devido a uma medida de “execução provisória” solicitada pelos promotores. A líder ultradireitista, no entanto, não perderá seu atual mandato de deputada na Assembleia Nacional, onde preside a sigla com o maior número de cadeiras.

Isso significa que Le Pen não poderá entrar na corrida presidencial de 2027, a não ser que tenha sucesso ao recorrer da decisão —o que seu advogado, Rodolphe Bosselut, já disse que vai fazer. Trata-se de um revés catastrófico para ela, que trabalha pacientemente para suavizar sua imagem ao menos desde 2017, quando sofreu a primeira derrota para o atual presidente francês, Emmanuel Macron.

Cumprindo seu segundo mandato, o centrista já não poderá se candidatar no próximo pleito, o que abria caminho para a ultradireitista, atual líder nas pesquisas de intenção de voto.

Ela também foi condenada a uma multa de € 100 mil (R$ 624 mil) e a quatro anos de prisão –dos quais dois estão suspensos e dois serão cumpridos em prisão domiciliar. Diferentemente da inelegibilidade, porém, essas penalidades não serão aplicadas até que os recursos se esgotem, o que pode demorar meses ou anos.

Em entrevista à rede TF1, horas após a sentença, Le Pen falou em “decisão política”, que “violou completamente o Estado de Direito” e cujo objetivo seria impedi-la de vencer a eleição daqui a dois anos. Declarando-se inocente, ela afirmou que efetivamente está fora da corrida no momento.

Sem ela, o nome mais viável da RN é o jovem Jordan Bardella, 29, presidente do partido. Ele mesmo está envolvido no caso, embora não estivesse sendo julgado. Bardella era assessor parlamentar na época do desvio de fundos e é acusado de ter forjado anotações em uma agenda para justificar ter trabalhado para o partido.

“Hoje, não foi apenas Marine Le Pen que foi injustamente condenada: Foi a democracia francesa que foi assassinada”, afirmou ele sobre a sentença. Uma pesquisa recente do instituto Ipsos o coloca como o político que geraria mais satisfação se fosse eleito presidente em 2027.

Embora Bardella tenha ajudado a expandir o apelo da RN entre os eleitores mais jovens, não está claro se ele tem a experiência necessária para conquistar o eleitorado mais amplo que o partido precisa para garantir a vitória em 2027. À RF1, nesta segunda, Le Pen o chamou de “força maravilhosa do partido”.

Outros oito eurodeputados da RN também foram condenados no caso, que pode ter dado um prejuízo aos cofres públicos de € 2,9 milhões (cerca de R$ 18 milhões).

Segundo a acusação, de 2004 a 2016, o partido desviou a verba destinada aos assessores parlamentares para remunerar pessoas que na verdade trabalhavam para o partido. Na época, a RN estava em dificuldades financeiras e tinha poucas fontes de recursos. Hoje, embora não faça parte da coalizão governamental, é o maior partido da Assembleia Nacional, com 123 dos 577 deputados.

A defesa argumenta que o dinheiro foi usado legitimamente e que as acusações definiram de forma muito restrita o que um assistente parlamentar faz. Le Pen sempre defendeu sua inocência e, em novembro, denunciou que se buscava sua “morte política”. Na época, recebeu até o apoio do atual ministro da Justiça, Gérald Darmanin.

Na sentença, a juíza Bénédicte de Perthuis explicou ter levado em consideração “o fato de que seja candidata à eleição presidencial uma pessoa condenada em primeira instância”, e que os detentores de cargos eletivos não podem “se beneficiar de um regime de favorecimento” em relação aos demais condenados.

A inelegibilidade da pré-candidata é um momento-chave da política francesa, segundo Arnaud Benedetti, analista político que escreveu um livro sobre a RN. “Este é um evento político sísmico”, disse ele à Reuters. “Inevitavelmente, isso vai reorganizar as cartas, especialmente na direita.”

Uma das ironias do caso é que a próprio RN apoiou, em 2016, uma espécie de “lei da ficha limpa” francesa. Ela não se aplica ao caso, porque não retroage à época do desvio de fundos. Apesar disso, o tribunal levou em conta leis anteriores, que também previam a inelegibilidade. Outra ironia é que, no extremo oposto do espectro político, o partido A França Insubmissa (LFI), de ultraesquerda, condenou a inelegibilidade de Le Pen. Para a LFI, Le Pen vai usar a pena para se vitimizar.

A política da ultradireita recebeu apoio de diversos aliados internacionais. O bilionário Elon Musk, por exemplo, afirmou que a medida era um abuso do sistema judicial. “Quando a esquerda radical não consegue vencer através do voto democrático, ela abusa do sistema legal para prender seus oponentes. Esta é sua estratégia comum em todo o mundo”, escreveu Musk, um conselheiro muito próximo do presidente americano, Donald Trump.

O governo do republicano se manifestou dizendo que via a exclusão de Le Pen como preocupante. “A exclusão de pessoas do processo político é particularmente preocupante, dada a agressiva e corrupta guerra judicial que está sendo travada contra o presidente Trump aqui nos Estados Unidos”, afirmou Tammy Bruce, porta-voz do Departamento de Estado americano, a jornalistas.

O vice-primeiro-ministro da Itália e líder da ultradireitista Liga, Matteo Salvini, também criticou a decisão. “Pessoas que têm medo do julgamento dos eleitores muitas vezes são tranquilizadas pelo julgamento dos tribunais”, disse ele. “Em Paris, condenaram Marine Le Pen e gostariam de excluí-la da vida política.”

“Eu sou Marine!”, escreveu na rede social X o primeiro-ministro conservador da Hungria, Viktor Orbán. O porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, por sua vez, estimou que “cada vez mais capitais europeias seguem o caminho da violação das normas democráticas”. Santiago Abascal, líder do Vox, partido de ultradireita da Espanha, afirmou que “não conseguirão calar a voz do povo francês”.

Dentro da França, diversos políticos de esquerda celebraram a decisão. “Justiça é justiça”, afirmou o secretário-geral do Partido Comunista Francês, Fabien Roussel na rede social X. “Existem semanas que começam bem”, disse, por sua vez, Philippe Poutou, que já foi candidato presidencial pelo Novo Partido Anticapitalista. “Pela primeira vez, a justiça foi feita.”

Já o líder dos Republicanos na Assembleia Nacional, o político de centro-direita Laurent Wauquiez, disse a jornalistas que não era saudável impedir uma deputada eleita de concorrer à eleição. “Os debates políticos devem ser resolvidos nas urnas, e é o povo francês quem deve decidir”, afirmou ele, um dos cotados para concorrer ao pleito de 2027.