BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As estatais federais interromperam uma trajetória de redução do quadro de pessoal, observada ao longo de governos anteriores, e cresceram nos dois primeiros anos do novo mandato do presidente Lula (PT).

O aumento é registrado principalmente entre empresas que não têm recursos suficientes para cobrir suas despesas e, por isso, dependem do Tesouro Nacional para exercer as atividades. A expansão foi puxada por companhias que gerem hospitais federais, além da Petrobras e do Banco do Brasil.

Apesar do aumento acumulado, especialistas defendem que a avaliação do quadro considere as particularidades de cada empresa. Em determinadas companhias, o movimento é considerado justificável, enquanto outros casos são vistos como exagerados.

No total, as estatais federais chegaram ao fim de 2024 com 8.524 empregados a mais do que em 2022 (último ano da gestão de Jair Bolsonaro, do PL) –o que representa uma expansão de 2%. Se consideradas apenas as empresas dependentes do Tesouro, o crescimento foi de 13% —ou 11.097 novos trabalhadores, quase o tamanho da Eletrobras quando foi privatizada.

As estatais federais são consideradas dependentes quando precisam receber recursos do Tesouro para pagar pessoal ou outras despesas. As subvenções da União a essas empresas têm sido crescentes ao longo dos anos e chegaram a R$ 23,9 bilhões em 2023, um aumento de 8,9% em comparação com o ano anterior.

Lidera o crescimento a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), vinculada ao Ministério da Educação. A estatal é responsável por administrar 51 hospitais universitários no país e, em 2023 e 2024, contratou de forma líquida 7.733 pessoas (uma expansão de 19%).

Pouco menos da metade desse número é explicada pela incorporação de hospitais e profissionais que já recebiam recursos da União, como em unidades antes geridas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A maioria representa uma elevação de fato.

Daniel Beltrammi, vice-presidente da Ebserh, defende as contratações e afirma que a empresa pratica tarefas de prestação de serviço público. “São mais de 9.000 leitos hospitalares em todo o país. Além de cuidar das pessoas, com atenção especializada, estamos cuidando dos currículos de formação. As pessoas estão aprendendo dentro do hospital”, diz.

Esse é um dos casos em que especialistas ouvidos pela reportagem –inclusive membros de governos anteriores, que defendiam o enxugamento da máquina pública– veem a expansão como aceitável. A visão é que a Ebserh e outras estatais administradoras de hospitais exercem uma política que não rende necessariamente recursos financeiros, mas geram outros retornos para a sociedade (de formação educacional e saúde pública, por exemplo).

Além disso, a Ebserh unifica a gestão dos hospitais universitários. Com a centralização do processo de contratação e de compras, a estatal pode acabar reduzindo custos para a União –desde que mantida a busca pela economicidade.

Vera Monteiro, professora de direito administrativo na FGV Direito, afirma que o universo das estatais é múltiplo e demanda uma análise particular sobre cada empresa. Ela aponta que a expansão, mesmo em hospitais, precisa ser avaliada em conjunto com as entregas.

“Aumento de empregados sem melhores serviços não é aceitável. Uma supervisão ministerial eficaz deveria ser capaz de reforçar o controle político, administrativo e orçamentário sobre as empresas controladas, especialmente nos casos de dependência”, afirma.

A economista e advogada Elena Landau, ex-diretora do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), afirma que hospitais geralmente demandam, de fato, mão de obra de forma intensiva. Por outro lado, ela defende ser necessário haver uma gestão rigorosa de recursos para que a empresa atenda a princípios constitucionais como o da eficiência.

“Você não pode partir do princípio de que a estatal dependente, exercendo uma atividade típica de Estado, não precisa de choque de gestão. A Embrapa, por exemplo, é uma empresa supereficiente e com um papel fundamental para a agricultura, mas pode ter mais eficiência de recursos”, afirma.

A visão é mais crítica quando analisada a expansão de outras estatais do ranking. O principal exemplo é a Petrobras, segunda que mais elevou o efetivo. São 3.715 profissionais a mais desde o fim de 2022, um aumento de 8%.

O crescimento na petroleira é observado em meio à diretriz de aceleração de investimentos orientada pelo governo Lula. Em grande parte, no entanto, os trabalhos são executados por outras empresas (como empreiteiras) e não foram concluídos.

Landau questiona a necessidade de contratações na empresa e vê a ampliação nessa e em outras estatais como o sintoma de algo maior. “A Petrobras tinha 3.000 empregados a menos e estava dando lucro recorde”, afirma.

“Você tem essa filosofia do governo Lula que é gastar. Seja por meio de estatais, por meio de fundos, dando mais poder para o BNDES, ou expandindo o Minha Casa, Minha Vida. Ele vai estimulando consumo, endividamento, e as estatais vão junto no gasto, nos funcionários, no uso de conselhos”, diz.

A Petrobras afirma que iniciou a partir de 2022 processos de contratação por concurso público para recompor parte do seu efetivo reduzido em gestões anteriores. A empresa diz que o objetivo é atender às necessidades dos negócios, sobretudo no pré-sal e no segmento de refino.

“É importante ressaltar que a empresa vive atualmente um cenário de expansão de suas atividades e investimentos em várias regiões do Brasil”, diz a Petrobras, citando US$ 111 bilhões em projetos até 2029. “Para que esses investimentos sejam executados, será naturalmente necessária a contratação e capacitação de novos empregados.”

No ranking das que mais expandiram o quadro, também estão Banco do Brasil (com 880 contratações, 1% a mais) e Banco do Nordeste (com 507, ou 8% a mais).

De acordo com o Banco do Brasil, o aumento é voltado à área de tecnologia da informação e tem entre os objetivos compensar baixas na equipe. “Desta forma, as contratações recentes de funcionários objetivam, além de suprir as ausências decorrentes de saídas naturais, reforçar a área de TI do banco. Trata-se de movimento alinhado à estratégia digital da empresa”, afirma.

Entre as que mais contrataram também está a estatal Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), com 208 funcionários a mais do que em 2022 (um crescimento de 3%). A empresa afirma que os profissionais foram alocados em áreas de desenvolvimento de sistemas e que o aumento foi necessário para atender à demanda no setor público “em um cenário de transformação digital acelerada”.

A Eletronuclear também aumentou o quadro, em 195 pessoas (crescimento de 11%), após fazer um concurso público em 2021 devido à “expectativa pela retomada de Angra 3”. A expansão é observada enquanto a empresa tem pela frente um cenário mais desafiador, após a Eletrobras sair dos potenciais investimentos na usina (que está com as obras paradas à espera de decisão do governo sobre retomá-las ou não).

Apesar das contratações, a empresa afirma que um plano de austeridade foi iniciado em 2024 e prevê a redução do quadro funcional. Um PDV (Plano de Demissão Voluntária) foi criado no segundo semestre do ano passado e deve produzir efeitos a partir de 2025.

“A Eletronuclear segue comprometida com uma gestão responsável e transparente, mantendo diálogo com todas as partes interessadas para garantir a sustentabilidade da empresa e a excelência na operação de suas usinas”, afirma a companhia.

Enquanto isso, na outra ponta da lista, Correios e Caixa fizeram cortes expressivos durante a gestão Lula. Somadas, as duas estatais cortaram 7.426 profissionais. Mesmo assim, elas figuram em segundo e terceiro lugar no ranking de maiores efetivos.

O Ministério da Gestão e Inovação nos Serviços Públicos afirma que a elevação em algumas estatais tem como justificativa a necessidade de repor cargos vagos devido aos anos sem concurso público e às aposentadorias, e que houve necessidade de expansão de atividades em certos casos.

“Algumas empresas tiveram a necessidade de abertura de novas unidades ou oferta de novos serviços para atender às demandas de políticas públicas e da sociedade, assim como eventuais necessidades de novos perfis de trabalho que acompanhem a evolução da tecnologia e serviços atuais”, afirma o ministério.

De acordo com a pasta, cada estatal tem autonomia para repor vagas –desde que dentro de um limite de quantitativo de pessoal validado pela secretaria de estatais vinculada ao ministério.