SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O setor de tecnologia brasileiro é dominado por trabalhadores homens e brancos. Mulheres e negros são minorias no setor, assim como pessoas com deficiência e profissionais LGBTQIA+.
É o que indica um levantamento inédito feito pela Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), antecipado à Folha.
De acordo com a primeira edição do Censo de Diversidade do setor TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), 34,2% dos trabalhadores são mulheres, frente a 63,1% de homens e 1% de não binários.
No recorte racial, 62,1% dos funcionários são brancos, 15,5% se identificam como pessoas pretas e 19,5% se declaram pardas. Outros 2,5% se identificam como amarelos e apenas 0,4%, como indígenas. O número de profissionais LGBTQIA+ chega a 10,9%, sendo a maioria cisgênero e heterossexual (89,1%).
Pessoas com deficiência representam 3,7% dos trabalhadores do setor. A maioria delas apresenta deficiência física motora (44,2%), seguido de deficiência visual (25,8%). Com relação ao gênero, mais da metade é do gênero feminino (55,3%).
O levantamento foi feito com 20.653 funcionários de companhias associadas à Brasscom, por meio de questionário. A margem de erro é de 0,7 ponto percentual, considerando o total de aproximadamente 1,2 milhão de pessoas empregadas, segundo dados do Monitor de Empregos e Salários de agosto de 2024.
A corrida das big techs pela liderança no mercado de inteligência artificial e o rápido desenvolvimento de tecnologias como a IA generativa, a realidade aumentada e o 5G devem impulsionar a área e aumentar a demanda por novos profissionais. O momento de alta abre chances para a redução das desigualdades no setor formado majoritariamente por homens e pessoas brancas, mas pode acabar aumentando o desequilíbrio.
“Essa corrida tende a manter o conhecimento tecnológico nas mãos de quem sempre esteve, afinal, tecnologia é poder. Mas, se quiserem um produto que espelhe a sociedade, essas empresas vão precisar da diversidade”, afirma Barbara Santiago, gerente de diversidade, equidade e inclusão no Reprograma, organização sem fins lucrativos voltada a reduzir as lacunas de raça e gênero na tecnologia.
Segundo Mariana Giostri Rolim, diretora executiva da Brasscom, os números são consequência da baixa presença de mulheres e pessoas negras em cursos de tecnologia. “Precisamos estimular as meninas a gostarem das exatas desde a infância, apresentando jogos de lógica, por exemplo, que são incentivados para meninos”, diz.
Para Santiago, o contexto social, que coloca mulheres em condições de jornadas triplas e às vezes quádruplas de trabalho, contribui para sua exclusão. “Ciências, matemática e tecnologia podem ser difíceis de aprender, e o mínimo que as pessoas precisam é de tempo de estudo. Tempo é o que as mulheres menos têm na nossa sociedade”, afirma.
O mesmo tipo de exclusão acontece com pessoas negras, segundo a especialista. Enquanto meninas pretas e pardas acumulam tarefas de casa desde a infância, meninos negros iniciam a vida profissional para contribuir com o sustento da casa.
A predominância de brancos no setor também reflete fatores regionais. O relatório de diversidade 2024 da Brasscom mostra que há mais profissionais negros nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, enquanto as grandes empresas de tecnologia estão concentradas no Sudeste.
Outro fator apontado por Santiago diz respeito à imagem do setor de tecnologia: masculina e branca. “No Reprograma, a gente trabalha para que mulheres se imaginem ocupando esses lugares e colocamos em evidência as profissionais que estão nesse mercado, além de ajudar as participantes a pensarem no desenvolvimento das suas vidas e carreiras.”
Ainda de acordo com o levantamento, maior parte dos trabalhadores do setor de TIC tem entre 26 e 35 anos. Os dados apontam que, quanto mais velho o profissional, maior é seu nível de qualificação.
Na faixa etária de 18 a 25 anos, 55,3% dos respondentes cursaram ensino fundamental, médio e técnico. Na faixa de 26 a 35 anos, 44,8% têm ensino superior. Quase metade dos profissionais de 36 a 45 anos têm pós-graduação, mestrado e doutorado (49,1%).
Para Rolim, o dado tem relação com a evolução de carreira. Um profissional que entra como analista com curso técnico, tende a continuar estudando e se especializando ao longo dos anos.
Já a menor presença de pessoas com mais de 65 anos pode estar relacionada à exclusão pela rapidez com que as tecnologias mudam ou à criação de empresas de consultoria, em que esses profissionais aproveitam sua expertise para empreender.
Os cargos de gestão acompanham a tendência de desigualdade do setor, com homens brancos ocupando a maioria das cadeiras de chefia. De acordo com o levantamento, homens ocupam 65,7% desses cargos, enquanto 34,1% deles são ocupados por mulheres. Não binários somam 1%, e pessoas trans chegam a apenas 0,2% da amostra.
O número de mulheres brancas nos cargos de diretoria e gerência corresponde a 72,7% do total de funcionárias. Trabalhadoras pretas chegam a 16,3%, seguidas pelas pardas, 8,2% e as amarelas, 2,8%.
Segundo Santiago, do Reprograma, as chamadas habilidades de sócio-comportamentais, que envolvem a forma como os profissionais se comportam, lidam com conflitos, se comunicam e exercem liderança, são mais cobradas das mulheres do que dos homens.
“É mais provável que se coloque um homem despreparado em uma função de chefia do que uma mulher. E isso também é construído tanto pelo imaginário, pela ideia de que o homem é naturalmente um bom líder, quanto pela conexão e lealdade que esses homens têm com seus semelhantes”, afirma.
O levantamento aponta que a maioria das funcionárias não tem filhos, e as que são mães têm menor participação nos cargos de liderança, um indicativo de que a maternidade impacta na carreira das mulheres.
Rolim afirma ser comum que empresas evitem contratar funcionárias por medo de que engravidem e passem um período em licença. A licença paternidade, implementada por algumas empresas do setor, equipara as condições de trabalho e torna indiferente a contratação de homens ou mulheres, uma vez que ambos têm o direito, segundo ela.
A maioria das pessoas com deficiência ocupa cargos de assistente e auxiliar, seguidos da função de analista. Não foi identificada nenhuma pessoa com deficiência em cargo de chefia. Também há maior participação feminina em cargos de auxiliar e assistente (39%).
De acordo com Rolim, não é possível dizer que a maior concentração de pessoas pertencentes a grupos minorizados em cargos de analista tenha relação com preconceito, uma vez que cerca de 70 a 80% do setor é formado por funções operacionais.
Apesar disso, a maior parte dos profissionais LGBTQIA+ também está alocada nessas atividades. A todo, 68,8% deles atuam em cargos de analista enquanto 12,5% do grupo está em posições de diretoria e gerência a maioria é formada por homens gays.
A diretora executiva da Brasscom acredita que os dados do levantamento podem mostrar pontos de melhoria. “Com esses dados, as empresas podem olhar para dentro de casa e implementar políticas que nos permitam deslanchar no setor de tecnologia. Quanto mais pessoas diversas, mais inovação a gente vai ter. Isso impacta na receita das empresas e faz com que tenham uma competitividade maior”, afirma.