WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – No terceiro ano do doutorado na Universidade Michigan, Pedro deveria estar se preparando para a qualificação de sua tese e para o trabalho de campo. Em vez disso, esse brasileiro de 30 anos está se precavendo contra a possibilidade de ser detido e deportado pelo governo americano.

Pedro, que por essa mesma razão prefere não dizer seu nome verdadeiro, está no país de maneira legal, com visto de estudante. Não cometeu nenhum crime. Esteve envolvido, porém, nos protestos pró-Palestina no seu campus -algo que hoje é o suficiente para ter problemas.

No começo de março, autoridades americanas detiveram o estudante palestino Mahmoud Khalil, da Universidade Columbia. Semanas depois, foi a vez do indiano Badar Khan Suri, da Universidade Georgetown.

Já na terça-feira (25), agentes prenderam a estudante de doutorado turca Rumeysa Ozturk. Ela foi abordada pelo serviço de imigração perto da sua casa. A cena, registrada por câmeras locais, é geralmente reservada a operações contra criminosos.

Ela não era uma líder do movimento pró-Palestina, mas havia escrito no jornal da Universidade Tufts sobre esse assunto. O governo do republicano Donald Trump agora tenta deportá-los, a despeito de todos terem vistos regulares para permanecer nos Estados Unidos.

No meio-tempo, Trump tem pressionado universidades de elite no país para que abafem os protestos pró-Palestina, enquadrando toda crítica a Israel como antissemitismo. Retirou US$ 400 milhões de financiamento de Columbia, por exemplo, até que se adeque às medidas.

Na universidade, palco dos maiores protestos pró-Palestina no ano passado, o brasileiro Rafael, 29, descreve um clima de pânico. Ele foi colega de classe de mestrado do aluno detido Khalil, um dos rostos da ofensiva de Trump. Como Pedro, prefere não dizer seu nome verdadeiro.

Rafael tenta adotar a discrição, sobretudo porque tem uma série de mensagens trocadas com Khalil e teme ficar em evidência. Lamenta não poder falar com o amigo. “O fato de que simplesmente sumiram com uma pessoa é assustador”, diz. “Estão atribuindo falas de pessoas que estavam no movimento como falas dele, quando ele nunca disse nenhum absurdo.”

Ele relata à reportagem que o receio em Columbia não se resume aos alunos estrangeiros, mas atinge também cidadãos americanos e professores. A conduta geral tem sido apagar as redes, deixar os perfis de aplicativos de conversa sem foto e censurar as próprias declarações.

Conta ainda que as equipes da universidade acreditam estarem sendo monitoradas e têm medo de serem pegas por agentes da imigração as ouvindo falar sobre temas ligados à diversidade. O governo suspendeu o financiamento e mandou as instituições acabarem com seus programas de inclusão.

Rafael recebeu na semana passada ligação de uma pessoa que se identificava como sendo do ICE (serviço de imigração americana) dizendo que haviam rastreado um pacote com material ilegal do México sendo encaminhado para ele. O estudante acredita que se tratava de um trote. Mas diversos colegas dele têm recebido ligações do tipo, o que faz parte do clima que ele acreditam estar sendo criado pelo governo.

A reportagem esteve em contato com mais de uma dezena de brasileiros que, como Pedro e Rafael, dizem se sentir em risco nos Estados Unidos. Conversam por meio de aplicativos de mensagem e trocam sugestões de como se proteger -por exemplo, apagando todas as suas redes sociais.

Diante desse cenário, universidades de elite têm enviado mensagens aos seus alunos estrangeiros para que adiem qualquer viagem para o exterior, dado que existe um risco real de que sejam impedidos de voltar ao país. A reportagem teve acesso a diversos desses emails.

Universidades, assim como professores de maneira individual, têm circulado panfletos com instruções para o que fazer em casos de detenção e deportação. Pedro chegou a consultar uma advogada especializada em imigração para poder já traçar um plano concreto.

Entre quatro paredes, dentro dos campi, discute-se até a necessidade de os alunos que são pais concederem a guarda de seus filhos a uma pessoa de confiança para o caso de serem detidos -o que diversos imigrantes brasileiros têm feito, como já mostrou a Folha de S.Paulo. A instrução é preparar o terreno para o pior dos cenários.

A impossibilidade de deixar o país afeta a carreira acadêmica desses alunos, já que é esperado de muitos deles que passem um período longo no exterior consultando arquivos públicos ou realizando o trabalho de campo.

Nesta semana, o secretário de Estado, Marco Rubio, anunciou o cancelamento dos vistos de aproximadamente 300 manifestantes, os quais chamou de lunáticos. A justificativa do governo é que pode deportar quem apoia organizações terroristas, como definem o Hamas, por serem um risco aos EUA, mesmo sem provas da ligação dos alunos com a facção.

Esse cenário é ainda mais preocupante para quem vem do mundo de fala árabe ou pesquisa a região. A MESA (associação de estudos de Oriente Médio, na sigla em inglês) já alertou seus membros da incerteza sobre seu congresso anual, celebrado em novembro em Washington.

O congresso da MESA é o mais importante do campo de estudos árabes, onde circulam os grandes nomes. Não está claro, porém, se pesquisadores vão conseguir entrar no país. Diversos deles foram impedidos, nas últimas semanas. Tampouco se sabe se isso será seguro.

Os alunos brasileiros e imigrantes em geral lidam, agora, com a dúvida sobre como agir nessa situação. Alguns dizem que sabem que precisam abaixar a cabeça, enquanto outros falam que querem lutar. Os protestos nos campi seguem, apesar de que, às vezes, com máscaras cobrindo os rostos.