SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A volta do presencial tem impactado o mercado imobiliário e os fundos com lastro nesse setor, e a tendência é que isso se aprofunde no segundo semestre deste ano. Entretanto, a alta de aluguéis de escritórios ainda não tem sido suficiente para melhorar a rentabilidade dos FIIs (Fundos de Investimentos Imobiliários), que encontram obstáculos com a Selic em alta. Essa é a análise de especialistas ouvidos pela reportagem.

Recomendados para perfis mais arrojados diversificarem a carteira, os fundos imobiliários são um investimento de renda variável, ou seja, em que os ganhos dependem das oscilações de mercado.

Os fundos imobiliários são compostos por investimentos em shoppings, galpões logísticos, escritórios, entre outros, sem a necessidade de comprá-los fisicamente. As cotas são negociadas na Bolsa de Valores da mesma forma que ações -na B3, estão listados 521 FIIs.

Para Carolina Borges, head da EQI Research, a alta da Selic tem causado uma resistência maior no mercado. “Os ativos de renda fixa têm oferecido taxas IPCA+7 ou até 14% em CDI. O investidor tem um retorno contratado a juros altos, isso faz com ele seja mais cauteloso ao tomar risco.”

Segundo ela, apesar da taxa de vacância diminuindo, os FIIs de escritórios, também chamados de lajes corporativas, ainda estão atrás dos ativos vinculados a shoppings e galpões. “Eles devem atingir os patamares de 2019 neste ano. Porém, galpões já viviam um bom momento histórico após a pandemia e continua melhorando. O preço de locação e a taxa de ocupação estão aumentando”, diz.

Daniel Marinelli, especialista de FIIs do BTG Pactual, vê de forma parecida. “O inquilino que está procurando um escritório para alugar ainda consegue barganhar e pagar menos. A tendência é positiva, mas não se refletiu na rentabilidade dos fundos”, diz.

O cenário dos FIIs contrasta com investimentos vinculados à Selic, hoje em 14,25% ao ano, ou ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário). A expectativa de economistas é que a taxa permaneça em alta neste ano e chegue a 15% ao fim de 2025.

Para os especialistas do setor, o ativo deve ser comparado a ativos relacionados à curva de juros, como IPCA+. O título do Tesouro Direto tem rendimentos que variam entre 7,29% e 8% ao ano, além de proteção contra a inflação.

Segundo levantamento do BTG Pactual, FIIs de lajes corporativas listados no Ifix, índice com principais ativos da categoria da B3, pagaram uma média de 9,2% em dividendos em 2024. A rentabilidade média do IPCA+ 2035 foi de 6,3% no mesmo ano.

Para medida de comparação, o Tesouro Selic, um título pós-fixado, tem rentabilidade atrelada à Taxa Selic e pagamento de prêmio que varia entre 0,0577% e 0,1096%.

PRESENCIAL AQUECE SETOR IMOBILIÁRIO

Durante a pandemia de Covid-19, cujo fim foi decretado em 2023 pela OMS, os prédios se esvaziaram e o modelo home office se popularizou.

Segundo levantamento do FGV-Ibre, o trabalho remoto no país atingiu seu ápice entre maio e junho de 2020. Naquele período, 10,4% da população brasileira ocupada estava em home office, o que representava 8,7 milhões de trabalhadores

Em 2024, porém, a tendência se inverteu, com a retomada do presencial. Dados da Catho mostram que 522 mil vagas foram anunciadas na plataforma em 2024. Dessas, 80,2% foram presenciais, 1,7% remotas, 3,3% híbridas e 14,9%, não foram informadas.

No começo de março deste ano, a Amazon oficializou a volta ao trabalho 100% presencial no Brasil. Em janeiro, a Petrobras anunciou a diminuição do trabalho híbrido.

As mudanças refletiram no setor imobiliário. Em 2024, os preços dos aluguéis comerciais no país subiram 7,8% em 2024 e romperam o recorde da série histórica do índice FipeZap, que monitora os preços de dez grandes cidades desde 2013.

Segundo dados da consultora JLL, a taxa de vacância de escritório em São Paulo atingiu 20,9% no quarto trimestre de 2024, o menor índice registrado desde o quarto trimestre de 2020.

Para Rafael Calvo, diretor de locações da JLL, empresas com regime híbrido ou remoto estão pressionando por mais dias nos escritórios. “Isso impacta a demanda por novos espaços”.

O tema tem sido alvo de debate. Também no começo deste mês, a influenciadora digital Nathália Rodrigues, conhecida como Nath Finanças, associou a volta do presencial aos interesses do mercado imobiliário em post no X (ex-Twitter).

Segundo ela, a produtividade tem sido usada como argumento para o abandono dos regimes remotos e híbridos, apesar de o verdadeiro motivo para a alta do presencial ser fortalecer o setor de escritórios e os comércios associados.

À reportagem Nath Finanças afirma que o debate sobre produtividade tem desconsiderado a qualidade de vida dos trabalhadores. “A gente precisa falar sobre a produtividade daquele que pega três conduções e demora três horas para chegar ao trabalho”.

Para ela, a tecnologia tem sido vilanizada para incentivar o presencial. “É engraçado ver empresas de tecnologia que defendem a inovação criticando o remoto. Quando a inteligência artificial é utilizada para aumentar a produtividade, a tecnologia é útil. Quando é para oferecer flexibilidade no trabalho, não serve tanto”.

Segundo estimativas do estudo Trabalho Remoto, do FGV Ibre, o potencial do home office no Brasil é de 17,8% da população ocupada. Para Fernando de Holanda Barbosa Filho, autor do estudo, o trabalho remoto foi experimentado durante a pandemia, ainda aquém de seu potencial, mas empresas estão voltando atrás.

A projeção foi feita determinando as ocupações que podiam ser realizadas de casa e estimando os trabalhadores que tinham infraestrutura mínima para tal.