BASTROP, EUA (FOLHAPRESS) – Ao avistar quatro caminhonetes paradas em fila no cruzamento da principal rua da cidade de Bastrop, na região central do Texas, Maria Morales aponta para cena e diz: “Isso não tinha antes. Olha o tráfego!”.
Não demora muito até o sinal abrir, o fluxo de veículos fluir, e Armando, filho da professora aposentada, dar risada da conclusão, segundo ele, exagerada da mãe. A família vive há mais de 30 anos no município de 11 mil habitantes, a 50 quilômetros de distância de Austin, capital do estado.
O “antes” citado pela moradora é uma referência ao desembarque do conglomerado do homem mais rico do mundo na região. Em 2021, Elon Musk começou a levar suas empresas para o condado de Bastrop, que, além da cidade com o mesmo nome, reúne outras duas menores, Elgin e Smithville.
Não foi na área urbana desses municípios que o bilionário instalou suas fábricas. É numa propriedade cercada por fazendas que uma construção de 65 mil metros quadrados se impõe. Dentro da estrutura são produzidas peças de foguetes da SpaceX e satélites da Starlink, que é líder em fornecimento de internet em regiões afastadas do Brasil.
Do outro lado da estrada, em frente, um grande galpão abriga a Boring Company, que produz túneis e soluções para infraestrutura. Ao lado, um pórtico com ares de parque de diversão indica que ali está o “Hyperloop Plaza”, a parte mais visível do projeto de Musk de transformar os terrenos ao redor de suas fábricas em uma cidade para seus funcionários.
No complexo há um pequeno mercado, batizado de Boring Bodega, com bar, salão de beleza e área de jogos, bilhar e videogames. Uma placa indica horários para aulas de poesia e cerâmica. Na saída dos banheiros, um painel “instagramável” com rosas artificiais e letras em neon que formam a frase “You’re like really boring”, o que, em tradução literal, seria “você é realmente chato”.
Há um trocadilho aí bem ao estilo Musk. “Boring” quer dizer “chato” em inglês, mas também significa “escavando” e “perfurando”, termos relacionados com os produtos que a empresa fabrica: túneis subterrâneos para o transporte de veículos.
O espaço frequentado pelos funcionários –nenhum dos que estavam no local aceitou falar com a reportagem– está aberto para visitantes, que podem comprar e consumir.
Em outro terreno próximo às fábricas funciona uma escola. Batizada de Ad Astra (para as estrelas em latim), ela é um dos controversos experimentos do bilionário, que acumula críticas à “educação tradicional”.
No site oficial, o colégio define seu método como “centrado no aprendizado prático” que incentiva os alunos a “explorar, experimentar e descobrir soluções para problemas do mundo real”. Crianças de três a seis anos, filhas de funcionários das empresas, estão matriculadas.
A aposta de Musk foi saudada pelo governador texano Greg Abbott. “Pelo menos eles estarão ensinando aos estudantes habilidades realmente aplicáveis no mercado de trabalho, em vez de impor ideologias ‘woke’ [termo usado por conservadores para se referir à agenda de diversidade e igualdade de gênero e raça]”, escreveu no X o republicano, um dos mais conservadores do partido e aliado de Trump.
A escola faz parte de um projeto maior, que é o de construir uma cidade ao redor das fábricas. Isso inclui uma vila para os funcionários, batizada de SnailBrook. Um experimento dela já existe, com cerca de 20 casas.
O plano original prevê pelo menos 110 residências. Segundo Sylvia Carrillo-Trevino, gerente do condado de Bastrop, o total chegará a 10 vezes isso. “Olha a quantidade de terras que eles já têm”, afirma a servidora pública.
As empresas do conglomerado de Musk adquiriram cerca de 203 hectares de área, mais de 2 milhões de metros, segundo dados oficiais. É o equivalente a 284 campos de futebol.
Nem todos, porém, estão empolgados com a velocidade e os efeitos do desembarque do homem mais rico do mundo. Os moradores locais se orgulham da qualidade da água do rio Colorado, que passou a receber resíduos das fábricas e construções do conglomerado de Musk.
Após ser alvo de queixas às autoridades locais, uma das obras foi interrompida. Em 2024, a empresa anunciou um acordo com o governo para investir no tratamento de água e controle da quantidade descartada.
Isso fez a ampliação da maior instalação do conglomerado, a indústria da SpaceX, ser retomada no ano passado. Ela deve mais do que dobrar do tamanho atual e terá 157 mil metros quadrados até 2026.
Para isso, o governo do Texas fez, no início de março, um repasse por meio de um fundo público de US$ 17.3 milhões (R$ 103 milhões) para a empresa. Antes, Musk aproveitou as vantagens tributárias ao se estabelecer no estado, que não cobra imposto de renda para pessoas físicas -a taxa chega a 13% na Califórnia.
Incentivos fiscais levaram outros empresários a rumarem da costa oeste para o sul dos EUA. O caminho foi seguido por Alton Butler, que trocou Los Angeles por Bastrop. Não fossem as cifras inalcançáveis do bilionário da Tesla, seu investimento seria o maior da região.
Desde 2023, ele mudou a sede da sua empresa, a Line 204, que oferece soluções para a produção de cinema, como estúdios de filmagem, de edição e cidades cenográficas, da Califórnia para o Texas.
Ele celebra o vizinho famoso “O homem mais rico do mundo está investindo aqui. Quem vai achar isso ruim?”, questiona.
O empresário acredita que a exposição da imprensa que Musk atrai, ainda que muitas vezes crítica, é benéfica para o local. Como argumento, cita o ditado americano “bad press is better than no press” (cobertura negativa da mídia é melhor do que nenhuma cobertura).
A aliança com Donald Trump está longe de ser um problema para o bilionário na região em que instalou suas fábricas e para onde anunciou que levará a sede do X (ex-Twitter) em breve. No condado de Bastrop, o republicano obteve 58% dos votos na eleição de 2024 – Kamala Harris ficou com 40%.
A diferença percentual é maior do que a registrada em todo o Texas, onde Trump fez 56% contra 42% da democrata. Como acontece historicamente, em Austin, capital do estado, o republicano perdeu. Fez 29%, e Kamala, 68%.
“Política não importa. O que interessa é se será bom para os negócios”, diz Joshua Bingman, dono de uma corretora de imóveis na cidade. Há 10 anos, ele deixou Austin por uma vida mais tranquila no interior.
A procura por imóveis, segundo o empresário, tem aumentado. Na rua principal da cidade, ele mostra com orgulho os prédios históricos ainda preservados.
Um deles é o museu municipal. No seu primeiro salão, o visitante é informado que o nome da cidade é uma homenagem ao barão de Bastrop, que levou imigrantes europeus para viverem na região há 200 anos. Nascido como Philip Hendrik Nering Bögel, na Holanda, ele deixou a Europa rumo à América no século 19 e se instalou no Texas, que fazia parte do México.
“Não se sabe de onde ele tirou o nome Bastrop”, diz Rachel Hatch, historiadora e guia do museu. O título de nobreza também foi inventado. “Talvez ele quisesse ser um barão porque soava bem”, completa.
O homenageado morreu cinco anos antes da fundação do município, que cresceu nos quase 200 anos de história, mas sempre se manteve uma pequena cidade na beira do rio Colorado.
“Foi isso que me trouxe para cá”, diz a funcionária do museu, que deixou a capital do estado para “gastar menos em moradia, não lidar com trânsito e poder andar de caiaque no rio”. “Espero que a cidade siga pequena e tranquila”, torce.
O repórter viajou a convite do SP2B