SÃO PAULO, SP E TORONTO, CANADÁ (FOLHAPRESS) – A extensa e diversa reserva mineral do Brasil fez chineses e americanos mirarem o país como um de seus principais fornecedores de metais da transição energética. Esses minerais são cruciais para a produção de baterias, cabos, turbinas eólicas, motores elétricos e placas solares.

O Brasil tem grandes reservas de níquel, lítio, cobre, nióbio, manganês, alumínio e cobalto, além de elementos de terras raras. Todos esses minerais são hoje prioridade nas discussões econômicas e diplomáticas dos países desenvolvidos, que dependem dessas matérias-primas para fortalecer suas indústrias.

A China é hoje a maior produtora de tecnologias da transição energética, o que a coloca como principal destino dos metais críticos extraídos no mundo. Mas os EUA também têm intensificado a procura pela matéria-prima à medida que tentam alcançar os chineses.

A depender da velocidade dos chineses em fechar negócios com mineradoras brasileiras, porém, os planos dos americanos dificilmente serão concluídos.

Nos últimos meses, empresas estatais e privadas da China anunciaram ao menos cinco negociações com mineradoras donas de reservas de metais críticos no Brasil -algumas em pré-operação. Já os americanos focam em cartas de intenções, com avanço ainda lento.

No final do ano passado, por exemplo, a estatal chinesa China Nonferrous Mining (CNMC) comprou por US$ 340 milhões (R$ 1,9 bi) a Mineração Taboca do grupo peruano Minsur. A empresa negociada é a maior produtora de estanho do Brasil e também extrai nióbio no Amazonas.

Ainda no mercado de nióbio, os chineses anunciaram em fevereiro aporte de 8 milhões de dólares australianos (R$ 29 milhões) na St. George, australiana que quer extrair nióbio em Minas Gerais. Com isso, os chineses se tornaram donos de 10% da empresa, atrás apenas da americana Itafos, que detinha o projeto antes dos australianos.

Os chineses já são donos da segunda maior produtora de nióbio do Brasil e do mundo, a CMOC, com operações em Goiás. E ainda têm 15% da brasileira CBMM, dona de 80% do mercado.

Semanas antes, a St. George já havia anunciado um contrato de entrega antecipada com a siderúrgica chinesa Fangda. No acordo, os chineses se comprometeram a comprar 20% da futura produção da mineradora em troca de uma quantia antecipada não revelada.

“Os chineses estão dispostos a correr mais risco. Eles enxergam a tomada de decisão rápida como uma vantagem estratégica, então quando os chineses entram numa negociação rapidamente eles tomam a decisão” diz Thiago Amaral, diretor da St. George no Brasil.

“Por outro lado, muitas vezes quando você tem uma negociação com empresas de outros países, há atrasos jurídicos, de documentação e due diligence que se arrastam por algum tempo. E o tempo é muito importante dentro de uma tomada de decisão, o que tem levado os chineses a tomar a liderança mundial”, acrescenta.

Zhongyi Zhang, diretor e filho do dono da Xinhai, a empresa que aportou milhões na St. George, destaca que seu interesse é impulsionar o projeto no Brasil para ter preferência na construção do complexo minerário. A Xinhai é especializada em serviços de engenharia para mineração e, segundo ele, é capaz de concluir as obras em menos de um ano (o tempo padrão é de 2 a 3 anos).

“Podemos construir minas muito rapidamente e eficientemente com menos dinheiro”, diz. “Se vocês pensarem na maneira usual, que é a ocidental, precisarão de muito dinheiro para construir a planta, mas se pensarem fora da caixa, na maneira chinesa, não precisarão de tanto, porque podemos fazer as coisas mais baratas e rápidas na China.” A Folha conversou com ele em Toronto, durante o PDAC, o maior evento global de mineração.

Ainda nos últimos meses, os chinesas fecharam negócios com a Anglo American para comprar operações de níquel em Goiás, com um grupo britânico de investimentos para adquirir a Mineração Vale Verde, que extrai cobre em Alagoas, e com uma mineradora de ferro em Minas Gerais.

Antes, os chineses já haviam fechado contratos com a Atlas Lithium para aportar US$ 50 milhões na empresa em troca de promessas de fornecimento de lítio e 4% nas ações da empresa (ainda em fase de instalação). As negociações envolveram duas fornecedoras de hidróxido de lítio da americana Tesla e da chinesa BYD. Essa última, aliás, tem direitos minerários para extrair lítio em MG.

De acordo com levantamento da GeoAnsata, há hoje três mineradoras chinesas no Brasil, contra oito americanas. A lista, no entanto, leva em conta apenas a sede das empresas e desconsidera contratos antecipados ou nacionalidade dos acionistas. Nesse cálculo, por exemplo, a Atlas é considerada americana, uma vez que está listada na Nasdaq.

Fato é que os americanos são mais comedidos em fechar negócios. Os anúncios recentes envolvendo bancos dos EUA com mineradoras em operação no Brasil, por exemplo, se limitaram a cartas de intenção por parte dos americanos.

A britânica Brazilian Nickel anunciou em dezembro que recebeu uma carta de intenções de investimentos do DFC, o banco estatal de desenvolvimento dos EUA, no valor de US$ 550 milhões, 40% do valor total do projeto -a mineradora também está em fase de pré-operação. Não há data, porém, de quando o valor será entregue à empresa e nem confirmação de que isso, de fato, acontecerá.

Antes, uma empresa a qual o banco é sócio aportou US$ 55 milhões na mineradora.

A situação é semelhante à da Lithium Ionic, outra mineradora em pré-operação. A companhia canadense com projetos de lítio em Minas Gerais anunciou em novembro uma carta de intenção do Exim Bank (Banco de Exportação e Importação dos EUA) para investir US$ 266 milhões na empresa, mas o aporte ainda não foi confirmado. E, se for, acontecerá ao longo de 15 anos.

A espera se dá devido a processos de licenciamento da empresa e à procura por clientes. No caso da Lithium Ionic, o Exim Bank dará crédito para a construção da planta de lítio em troca de que a produção seja enviada para os EUA.

“O governo americano está tentando assegurar que o produto não vá para a China, mas então isso depende de um acordo com o comprador”, diz Hélio Diniz, presidente e fundador da Ionic Lithium. “Mas de fato os chineses são mais rápidos porque estão conectados com os potenciais fornecedores; quase todas as empresas chinesas já vieram visitar as áreas que tem potencial no Brasil, ao passo que só uma empresa americana veio.”

O mesmo acontece com os projetos de elementos de terras raras, importantíssimos para a fabricação de ímãs usados em carros elétricos e turbinas eólicas. Cerca de 70% desses metais vêm da China, que também controla 90% do processamento, mas o Brasil abriga projetos que tentam abocanhar parte do mercado.

Um desses projetos é da Viridis, mineradora listada na Austrália. A empresa quer extrair os metais em Poços de Caldas (MG) e no ano passado recebeu o contato de um intermediário do governo chinês para que autoridades do país visitassem seu projeto. A visita, porém, não aconteceu, segundo Klaus Petersen, responsável pelo projeto.

“A China é sensível nesse aspecto; todo mundo fica nervoso se a gente começar um negócio com a China. Ou seja, você pode fazer um negócio com a China ou com o resto do mundo; não tem como fazer com os dois. Tem que escolher lado”, afirma. A empresa está em negociação com o DFC, que recentemente anunciou uma parceria junto com o BNDES para fomentar investimentos no setor.

“Nos Estados Unidos, tem que passar até pelo Senado algumas ideias de investir no Brasil”, diz. “Já os chineses, quando tomam uma decisão, chegam com um saco de dinheiro na mesa e levam.”

Procurado, o DFC disse que “embora os investimentos chineses possam parecer mais rápidos, o DFC prioriza uma diligência rigorosa e altos padrões para garantir a viabilidade a longo prazo”. “Investimentos rápidos frequentemente ignoram riscos críticos, enquanto a abordagem do DFC equilibra eficiência com uma avaliação minuciosa. Essa estratégia não apenas protege o investimento do governo dos EUA, mas também diferencia o DFC de investidores que não priorizam essas salvaguardas”, acrescentou.