SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aquele que poderia ser um hobby simples, nas mãos da geração Z e de influenciadores especializados, virou uma febre com milhares de publicações nas redes sociais. A onda Bobbie Goods, com desenhos de ursinhos de colorir que pareciam despretensiosos, tomou tamanha proporção que fez editoras voltarem a investir em obras desse filão.
A marca do sul da Califórnia, nos Estados Unidos, começou em 2021 com vendas virtuais. O acesso aos desenhos era liberado pela ilustradora Abbie Goveia após a compra; as impressões ficavam a cargo dos leitores.
As histórias remetem ao gênero literário ‘cozy’, popular entre os jovens desde a pandemia, buscando oferecer uma experiência aconchegante e tranquila. Assim, tudo na estética do desenho é pensado para atingir esse conforto: o traçado grosso combinando com espaços mais amplos -mais fáceis de colorir-, a “fofura” na fisionomia das personagens e até mesmo as cenas em que estão inseridos.
O fenômeno Bobbie Goods ampliou o público dos livros de colorir ao alcançar jovens adultos, grupo excluído pela antiga onda, a do “Jardim Secreto” em 2015, que focava em ilustrações de jardins e caça ao tesouro.
As histórias apostam na criação de um universo único, por meio de enredos e personagens. Entre os mais famosos está a cachorrinha Momo, que conhece os melhores locais para tirar uma soneca. Outro é Pierre, o urso de poucas palavras.
O que começou como uma estratégia para “dar um descanso aos neurônios” evoluiu para algo maior: uma corrida por materiais e técnicas sofisticadas, outra diferença em relação à tendência de uma década atrás.
Entre a geração Z, surgiu uma demanda por “itens essenciais” para colorir os desenhos. A lista vai de canetas com 48, 64, 120 ou 320 cores, que podem chegar a até R$ 1.500, gabaritos para testar tonalidades e cursos e oficinas pagas que ensinam a colorir.
O hobby também se tornou uma atividade profissional, com o surgimento de perfis nas redes sociais dedicados exclusivamente à coloração dos livros. A qualquer hora do dia, é possível encontrar lives de influenciadores, que geram renda nas plataformas.
Assim, as ilustrações de leitores -com sombras, camadas, texturas e toques de canetas brancas com glitter- seguem um rumo diferente e se afastam da proposta original criada por Abbie: um desenho chapado e pintado de forma simples.
A autora abraçou o crescimento orgânico da marca e incentiva o compartilhamento das pinturas na internet -mas as informações sobre Abbie são escassas. A HarperCollins, sua editora no Brasil, confirma à Folha que a ausência de uma biografia da autora é um desejo da própria de se resguardar.
Os livros do Bobbie Goods chegaram ao país em fevereiro. A editora também detém os direitos da Coco Wyo, coleção feita por artistas e ilustradores independentes, e outras editoras como Camelot, Girassol e Ciranda Cultural também lançaram no mercado novas coleções de livros de colorir.
O público respondeu. Segundo dados da Nielsen Bookscan, instituição que monitora comércio físico e virtual de livros no país, as obras de colorir venderam mais de 150 mil cópias entre o final de dezembro de 2024 e o início de março deste ano.
A busca por alternativas às telas e a aceitação da tendência por influenciadores de diversos nichos impulsionam o sucesso dos livros, segundo Daniela Kfuri, diretora de marketing e vendas da HarperCollins.
“As pessoas estão mostrando como é bom que você tenha outras atividades para além do tempo de tela, em que possa relaxar, explorar a criatividade, passar um tempo com os amigos ou até mesmo sozinho”, afirma.
Antes da publicação no Brasil, leitores interessados em adquirir os desenhos tinham que importar de sites internacionais ou baixar arquivos ilegais na internet. Papelarias passaram a imprimir os desenhos e produzir livros extraoficiais. Mesmo com as publicações originais disponíveis, esses produtos não oficiais seguem disponíveis na internet, por valores semelhantes.
“A pirataria dos livros de colorir é diferente, pois se trata de uma pirataria física. Quando algo faz bastante sucesso, imitações tendem a acontecer, mas, nesse caso, não é nem a imitação. É exatamente o mesmo conteúdo que está sendo reproduzido de forma ilegal”, afirma Kfuri, da HarperCollins.
Um livro extraoficial de Bobbie Goods foi o que alertou Karine Pansa, diretora do Grupo Girassol Brasil, sobre o crescimento do fenômeno no país. A editora, uma das maiores do setor infantojuvenil, já monitorava o tema desde a Feira do Livro de Frankfurt em outubro.
“Na véspera do Natal, minha sobrinha apareceu com uma lembrancinha de Bobbie Goods. Era um álbum de desenhos encadernados e sem copyright. Foi então que escrevi para o nosso agente e comprei os direitos de dois livros”, afirma. “Em 40 dias, os livros já estavam nas mãos dos nossos clientes.”
A velocidade de publicação era uma demanda da Girassol que, segundo Karine, não queria ficar para trás, igual ocorreu na onda do “Jardim Secreto”.
Melhor do que estar presente em uma onda literária é estar em duas ao mesmo tempo. Isso foi o que a editora Camelot conseguiu ao publicar “Colorindo com Deus Pai”, um livro que une o “cozy” com mensagens de fé, outro fenômeno do mercado literário, liderado pelos livros devocionais.
Segundo Marcelo Rodrigues, diretor de marketing do grupo, o livro é uma aposta para conquistar a população católica após o período da quaresma. “Sabemos como a população brasileira é religiosa e temos a Páscoa chegando. Assim, surgiu a ideia de termos este tema”, diz ele.
A variedade de livros de colorir cresce em abril com a coleção Fluffy Times, publicada pela Sextante. A editora também detém os direitos de “Como Desenhar Coisas Superfofas com Bobbie Goods”, um tutorial recém-publicado em que Abbie ensina a desenhar os elementos e personagens de seu universo.