SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo conduzido nos Estados Unidos e publicado na revista acadêmica JAMA (Journal of the American Medical Association) em fevereiro relaciona discriminação racial à capacidade do corpo de combater o câncer e ao crescimento de tumores. A pesquisa, com foco em câncer de mama, sugere que o estresse e o preconceito estão diretamente ligados ao aumento da inflamação no organismo e ao desenvolvimento de tumores mais agressivos.

A falta de apoio social e condições de vida desfavoráveis, como residir em bairros carentes, também contribuem para elevar os níveis de inflamação e prejudicar o sistema imunológico. As mulheres negras foram as mais impactadas por esses fatores, apresentando alterações no sistema imunológico e nos genes que podem tornar o câncer mais difícil de tratar.

O estudo acompanhou, ao longo de dez anos, 121 mulheres, das quais 56 eram negras e 65, brancas. Foram analisados o tecido saudável ao lado do tecido tumoral, além de exames de sangue. A pesquisa foi conduzida entre fevereiro de 2012 e setembro de 2023, com análise de dados finalizada em abril de 2024, em dois hospitais de Baltimore, Maryland (EUA).

Daniel Musse, oncologista do Grupo D’Or, afirma que foram avaliadas diferentes áreas de estresse, como o estresse percebido (o que a pessoa relata sobre a própria vida), suporte social e discriminação racial. “O estudo sugere que esses fatores estressantes aumentam a probabilidade de tornar o ambiente da mama -e possivelmente de outros órgãos -mais suscetível ao câncer”.

De acordo com a pesquisa, a discriminação racial e étnica pode afetar diretamente os genes e o sistema imunológico de mulheres com câncer de mama. Isso acontece porque a discriminação altera a expressão de certos genes no tumor, incluindo alguns ligados ao crescimento do câncer e ao estresse.

Segundo Musse, apesar da quantidade limitada de mulheres acompanhadas, o estudo reforça uma perspectiva importante: “cuidar da saúde mental e do bem-estar físico pode ajudar a reduzir riscos associados ao câncer”. Como apenas 10 a 15% dos cânceres são genéticos, o aumento de casos nas últimas décadas está ligado a mudanças no estilo de vida.

O estresse está ligado a processos inflamatórios e à resposta imune, o que pode enfraquecer as defesas do corpo e ajudar o tumor a crescer e se espalhar.

“O racismo estrutural determina barreiras de acesso à saúde e isso explica uma parte dos piores resultados de mortalidade nas mulheres negras [nos Estados Unidos]”, diz Ana Amélia Viana, oncologista da Rede D’Or e membro do Comitê de Diversidade da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).

A médica afirma que o objetivo de estudos como esse é desvendar os mecanismos por trás dessa realidade. “O resultado mostra novamente uma desvantagem da mulher negra”.

O estudo também destaca que o apoio social pode fortalecer o sistema imunológico, auxiliando no combate ao câncer. A discriminação, por outro lado, promove o aumento de substâncias inflamatórias, entre elas a IL-6 e a MMP12, que agravam a doença.

Musse explica que o estresse crônico pode favorecer inflamações no corpo e hoje, já se sabe que a inflamação está ligada ao surgimento do câncer. Um exemplo disso é a obesidade, que eleva o risco de câncer justamente por aumentar a inflamação, explica. O estresse também enfraquece o sistema imunológico, que é responsável por combater células cancerosas que podem surgir naturalmente no corpo.

Segundo a oncologista Karla Maia, também membro do Comitê de Diversidade da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), o diferencial do estudo são os dados que sugerem que a discriminação racial exerce efeito semelhante ao do estresse em relação à inflamação e imunossupressão.

“O simples fato de pertencer a população negra torna a luta contra o câncer de mama mais difícil, o que choca pelo fato de que até para adoecer, ser branco configura privilégio”, diz Maia.

Viver em comunidades com menos recursos econômicos também aumenta os níveis de inflamação no corpo, o que contribui para um ambiente mais propício ao desenvolvimento de doenças como o câncer, completa a especialista.

Além da importância de políticas públicas que priorizem a discussão sobre os determinantes sociais da saúde, com foco em combater disparidades socioeconômicas, a médica Ana Amélia Viana diz que há também a necessidade em abordar o racismo sistêmico na área da saúde.