SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sob intensa pressão militar vinda de Washington, o governo do Irã afirmou nesta quinta-feira (27) que o país está aberto a negociar um novo pacto acerca de seu programa nuclear com os Estados Unidos, mas de forma indireta, envolvendo um terceiro país.
“Nossa política ainda é a de não fazer negociações diretas sob pressão máxima e ameaças militares, mas, como ocorreu no passado, negociações indiretas podem continuar”, disse à agência estatal Irna o chanceler Abbas Araghchi.
Segundo ele, a informação foi enviada por meio do governo do Omã para Donald Trump, que havia feito um ultimato para a retomada das conversas em uma mensagem ao líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei.
“A República Islâmica não fechou todas as portas”, disse mais cedo Kamala Kharrazi, assessor de Khamenei, à Agência de Notícias dos Estudantes Iranianos. “Está pronta para negociações indiretas para avaliar o outro lado, colocar suas condições e tomar a decisão apropriada.”
Até aqui, Khamenei vinha rejeitando a pressão americana para retomar algum tipo de acordo que tire o país do caminho da construção de uma bomba atômica. Mas Trump, que havia dado até o começo de maio para Teerã aceitar uma negociação, resolveu escalar a pressão militar.
Enviou de cinco a sete bombardeiros furtivos ao radar B-2 para a base anglo-americana de Diego Garcia, no Índico, e diversos aviões de apoio -ao menos três cargueiros C-17 e 11 modelos de reabastecimento aéreo KC-135 passaram pelo atol desde a segunda-feira (24).
Isso sugere uma força expedicionária de ataque. Nem lugar para tantos B-2 há na base: os aviões costumam ficar em hangares especiais condicionados para não haver danos à sua cobertura especial que absorve ondas de radar, e Diego Garcia só tem quatro deles.
Imagens de satélite da terça-feira (25) mostram que há três B-2 estacionados fora deles, o que sugere que os outros quatro possam estar acomodados nos hangares. Além disso, está a caminho do Oriente Médio um segundo grupo de porta-aviões -na região, a frota do USS Harry Truman já opera no mar Vermelho contra os houthis.
Esses rebeldes iemenitas são aliados de Teerã e participam da guerra dos terroristas palestinos do Hamas contra Israel atacando alvos na região.
Trump contradisse sua retórica isolacionista ao determinar ataques maciços contra eles neste mês, algo que surpreendeu seus aliados, como mostrou o vazamento das mensagens trocadas pela cúpula do governo. Também afirmou que qualquer represália contra as forças americanas será debitada da conta do Irã.
O objetivo do americano é frear a ideia de um Irã nuclear que possa enfrentar Israel, o arquirrival regional dos aiatolás que tem cerca de 90 ogivas atômicas, segundo estimativa da referencial Federação dos Cientistas Americanos.
O Irã tem tecnologia e possui material físsil suficiente para, em alguns meses, elaborar ao menos uma arma rudimentar -até quatro ogivas, dizem especialistas.
Seu programa nuclear é a maior moeda de troca do governo nas infindáveis crises no Oriente Médio. Em 2015, o país fechou um acordo nuclear com os EUA e outras potências trocando o desenvolvimento militar pelo fim de sanções.
Três anos depois, Trump deixou o arranjo, dizendo que ele só ganhava tempo para os iranianos. Ato contínuo, Teerã deixou de cumprir suas obrigações, como inspeções detalhadas da Agência Internacional de Energia Atômica, e o órgão da ONU diz que o país está perto da bomba.
A carta de Trump a Khamenei foi lida como um ultimato e tratada assim em público, mas agora, como diz o assessor do líder e a mensagem oficial, há um caminho apontado.
Os olhos se voltam para a Rússia de Vladimir Putin, com quem Trump decidiu fazer as pazes após três anos de crise aguda devido à invasão da Ucrânia. Além de negociar os difíceis termos para ao menos suspender o conflito, os americanos e russos conversam sobre diversos temas comuns.
O Kremlin já disse estar pronto para agir como mediador. Moscou e Teerã são aliados, e em janeiro assinaram um grande tratado de cooperação estratégica, militar e tecnológica.
O Irã vai receber caças avançados russos e outros armamentos, e há um temor no Ocidente que o pacote inclua tecnologia para não só agilizar a construção da bomba, mas para instalar as ogivas em mísseis. Agora, a nova configuração geopolítica sob Trump abre a possibilidade de Putin agir como freio, não acelerador da crise.