SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Colinas verdes salpicadas por casinhas preenchem uma tela de 1948. O cenário, tão comum no interior brasileiro, foi pintado por Tarsila do Amaral numa época em que a industrialização atingia o auge no Brasil. A paisagem idílica de traços modernos divide a parede com uma enorme fotografia esverdeada dos túneis do metrô paulistano, de Rogério Canella, tirada em 2006.
Estranhamente, as duas obras conversam mais do que contrastam. Além da harmonização de tons e perspectiva, ambos os artistas estavam, cada um em seu tempo, experimentando novos métodos enquanto se debruçavam sobre a transformação da paisagem. Tarsila, bastião do modernismo brasileiro, era contemporânea para a sua época, enquanto Canella refletia sobre o impacto da modernização na sociedade contemporânea.
O limite trêmulo entre a arte moderna e contemporânea é justamente o tema da exposição “Encontros entre o Moderno e o Contemporâneo”, do Museu de Arte Moderna, o MAM, onde se encontram as duas obras. O museu está com a sede fechada para reformas desde agosto, e a mostra, composta exclusivamente por itens de seu acervo, acontece na Fiesp, que cedeu o espaço à instituição assim como fez o MAC no ano passado, quando sediou a 38ª edição do Panorama da Arte Brasileira, mais importante mostra de arte contemporânea do país depois da Bienal de São Paulo.
É um momento inédito que permite a apreciação de um acervo pouco exposto, já que o museu não tem uma sala dedicada a mostrar a sua coleção permanentemente.
A discussão proposta pela exposição, aliás, permeia a própria história do MAM. “É um museu de arte moderna, mas seu acervo é prioritariamente de arte contemporânea”, diz Cauê Alves, curador-chefe da instituição. O objetivo, segundo ele, é tensionar o uso de datas para separar a produção artística para o público que frequenta a avenida Paulista, mais amplo do que aquele que vai até o jardim de esculturas no Parque Ibirapuera.
A paisagem de Tarsila, por exemplo, foi uma das 81 obras doadas pelo colecionador Carlo Tamagni em 1967, durante o renascimento do museu que, na época, ainda estava sem sede. Chegaram ao acervo também joias do modernismo internacional do calibre de Tarsila, como quadros de Henry Moore e Yves Klein, expostos agora com ilustrações de Cândido Portinari de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e desenhos de um dos expoentes do surrealismo brasileiro, Ismael Nery.
Se a relação entre Tarsila e Canella é mais visual e filosófica do que temporal, outros exemplos não estão tão distantes assim. Emiliano Di Cavalcanti, célebre artista de personagens sinuosos e que participou da Semana de Arte Moderna em 1922, pintou até 1973, quando Hélio Oiticica e Lygia Clark desafiavam a ideia de obra-prima com seus objetos geométricos e espaços interativos.
“A vanguarda é sobre o que era contemporâneo àquela modernidade. Hoje, a arte contemporânea é contemporânea à nossa modernidade. Existe uma continuidade da relação do artista com o seu tempo”, diz Gabriela Gotoda, curadora de “Encontros entre o Moderno e o Contemporâneo”.
A mostra expõe a última tela de Cavalcanti antes do derrame que o impediu de pintar definitivamente. Uma figura inacabada em pinceladas negras e coxas largas está sentada no que parece ser uma praça, com pescadores ao fundo. Na sua frente, pinturas coloridas do contemporâneo Rubens Gerchman do mesmo período denunciam a repressão da ditadura militar.
“A arte pop é um momento fundamental de quebra da utopia. Enquanto o moderno ainda sonhava com a transformação do mundo, o contemporâneo, aos poucos, vai percebendo que essa possibilidade é remota”, diz Alves.
Na mesma parede estão abstracionismos de Luiz Sacilotto, Alfredo Volpi e Samson Flexor, além de colagens surrealistas de Alberto Guignard. Aparece ainda uma instalação de Cildo Meireles: uma mesa grande de madeira sustentada por quatro menores.
“É uma construção, mas a discussão proposta não é formal. É social, sobre quem sustenta os grandes no sistema capitalista”, diz Alves, o curador-chefe. “A ideia da mostra é problematizar essas divisões por tecnologias, estilos e suportes. Se fala muito que a pintura é moderna e a abstração contemporânea. Mas Guignard [nos anos 1940] experimentava a fotografia”. E enquanto Meireles se apropriou de objetos para romper com seus conceitos tradicionais, a Geração 80 retornava, no mesmo período, à pintura e à figuração.
A própria divisão espacial da mostra tenta abarcar o debate. No centro do espaço, obras dedicadas a representar a natureza e assinadas por nomes como Mira Schendel, Iberê Camargo e Oswaldo Goeldi estão penduradas em uma parede de hastes metálicas roxas, como se estivéssemos olhando o avesso de uma estrutura.
No entorno desse núcleo central está o resto da exposição, em paredes totalmente brancas. A ideia é brincar com o avesso do cubo branco, como é chamado o espaço neutro que se tornou uma referência de como exibir obras de arte durante o modernismo.
Encontros entre o Moderno e o Contemporâneo
Quando De terça a domingo, das 10h às 20h. Até 08/06
Onde Centro Cultural Fiesp -av. Paulista, 1313, São Paulo
Preço Grátis
Classificação Livre