BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, em documento oficial protocolado junto ao USTR (Representante de Comércio dos Estados Unidos), que um possível tarifaço de Donald Trump contra o Brasil arrisca alimentar uma espiral negativa de medidas que poderiam “prejudicar gravemente” a relação comercial entre os dois países.

No mesmo documento, o governo do Brasil afirma que a abordagem americana para a política de tarifas recíprocas lançada pelo republicano “viola compromissos legais” assumidos pelos EUA na OMC (Organização Mundial de Comércio), “desfaz o equilíbrio alcançado em negociações passadas” e é prejudicial às “relações econômicas com parceiros de longa data, como o Brasil.”

Em 20 de fevereiro, o USTR abriu uma consulta pública para que cidadãos, empresas e outras entidades interessadas fizessem comentários à política de tarifas recíprocas prometida por Trump. O governo Lula enviou suas observações oficialmente.

O USTR é um dos órgãos do governo americano aos quais Trump delegou a tarefa de fazer uma ampla revisão de práticas de sócios comerciais consideradas injustas pelos EUA.

A expectativa é que ao menos parte dessa investigação seja conhecida em 2 de abril, quando Trump promete detalhar um robusto pacote tarifário.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, o governo Lula detectou o risco de que sejam anunciadas nesse dia tarifas adicionais contra produtos brasileiros, para além dos já sobretaxados aço e alumínio. Num cenário extremo, a gestão do petista avalia que até mesmo a imposição de uma tarifa linear sobre toda a pauta exportadora do Brasil pode estar no radar de Trump.

As observações do governo Lula foram protocoladas em 11 de março e estão disponíveis no site do USTR. No campo em que o USTR pediu que a entidade estimasse o prejuízo calculado, o governo Lula registrou US$ 7,4 bilhões –o superávit comercial registrado pelos EUA com o Brasil no ano passado.

No início, o texto do governo destaca a integração das cadeias produtivas entre os dois países e os recorrentes superávits registrados pelos americanos no seu histórico comercial com o Brasil.

“Os Estados Unidos desfrutaram de um superávit comercial consistente com o Brasil ao longo dos últimos 15 anos, acumulando um superávit total de US$ 160 bilhões em bens e mais de US$ 410 bilhões em bens e serviços, de acordo com as estatísticas dos EUA”, diz o documento.

Também ressalta um dos principais argumentos levantados pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB): o de que a tarifa efetivamente aplicada pelo Brasil no comércio com os EUA é de apenas 2,7% em média, muito abaixo do índice nominal de cerca de 11%.

As críticas do governo Lula ficam mais evidentes na parte do documento que trata da política de tarifas recíprocas.

“É importante destacar que a abordagem dos EUA sobre a questão [das tarifas recíprocas] viola seus compromissos legais sob a Organização Mundial do Comércio, desfaz o equilíbrio alcançado em negociações passadas e é prejudicial às suas relações econômicas com parceiros de longa data, como o Brasil”, afirma o texto.

O texto alega ainda que, se os EUA estão insatisfeitos com as tarifas estabelecidas no âmbito da OMC, o adequado seria buscar a renegociação desses valores com seus parceiros.

Sobre as barreiras comerciais impostas pelo Brasil à importação de etanol, a principal queixa de Washington, o documento do governo Lula argumenta que o imposto praticado pelo Brasil está dentro dos limites permitidos pela OMC.

“A tarifa do Brasil para o etanol está dentro dos níveis acordados na OMC e reflete as características econômicas, sociais e ambientais relacionadas à produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, particularmente na região Nordeste do país”, argumenta o governo brasileiro.

“No mesmo setor de açúcar e álcool, enquanto a tarifa sobre as importações de açúcar no Brasil é de 7%, os Estados Unidos mantêm uma tarifa de US$ 340 por tonelada (equivalente a uma taxa de aproximadamente 80%), o que penaliza as exportações brasileiras do produto para os Estados Unidos. Para registro, o Brasil não aplica nenhuma tarifa equivalente a um imposto de 80%”, prossegue o arquivo.

O etanol brasileiro aparecia no topo da lista de exemplos elencada pelo governo americano em um documento que resumia as tarifas recíprocas. “A tarifa dos EUA sobre o etanol é de apenas 2,5%. No entanto, o Brasil cobra uma tarifa de 18% sobre as exportações de etanol dos EUA”, dizia o trecho do texto.

Nas suas conclusões, o governo Lula reconhece que os objetivos dos EUA de buscar desenvolvimento industrial e criação de emprego são legítimos, mas pontua que a implementação das políticas comerciais precisam estar de acordo aos entendimentos prévios existentes entre os dois países.

“Assim, o Brasil insta os Estados Unidos a priorizarem o diálogo e a cooperação em vez da imposição de restrições comerciais unilaterais, que arriscam alimentar uma espiral negativa de medidas que poderiam prejudicar gravemente nossa relação comercial mutuamente benéfica”, conclui o texto.

Procurado pela reportagem, o Itamaraty confirmou que o documento é de autoria do governo e afirmou que tem acompanhado o tema das tarifas americanas “com grande atenção, diante dos potenciais impactos às exportações brasileiras”.

“O teor da resposta, em sua íntegra, está disponível no sítio eletrônico do USTR, juntamente com as manifestações de setores, produtores e governos afetados e, pela própria natureza do exercício, é público. Trata-se de mais um espaço de engajamento, dentre outros, que o governo brasileiro dispõe para apresentar fatos e argumentos contrários à imposição de medidas unilaterais contra exportações brasileiras”, disse ministério, em nota.