BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) manteve sigilo até uma hora antes de iniciar o julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre onde acompanharia a sessão, para logo aparecer na corte e se sentar na primeira fileira.

O gesto simbolicamente repete o do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no ano passado, quando se sentou à mesa da defesa em julgamento em Nova York. Em casos penais, a presença do acusado é obrigatória nos EUA. No Brasil, não.

Na ocasião, Trump foi condenado por fraude, sob acusação de ter comprado o silêncio de uma atriz pornô com quem teria tido um relacionamento. Assim como Bolsonaro, o republicano dizia ser alvo de perseguição política. Apesar da condenação, meses depois, foi eleito ao cargo.

A ida do ex-presidente ao STF já vinha sendo defendida por aliados desde a véspera e contou com o aval da sua equipe de advogados. O advogado Celso Vilardi disse que Bolsonaro decidiu “por conta própria” acompanhar o julgamento do Supremo. A ideia, segundo esses aliados, é passar uma mensagem de enfrentamento ao encarar os seus “algozes”, como chamam os ministros da Primeira Turma do tribunal.

Eles defendem ainda que Bolsonaro compareça às três sessões e que fale ao final, para que a última palavra seja sua. Dizem ainda que, se faltasse, poderia ganhar a pecha de covarde.

O objetivo é fazer enfrentamento político do julgamento, no qual é acusado de liderar trama golpista para impedir que Lula (PT) assumisse a Presidência, após o petista sair vitorioso das urnas.

O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-mandatário, foi um dos defensores dessa tese, de acordo com relatos. Na semana passada, ele anunciou que se afastaria do cargo e permaneceria nos Estados Unidos por medo de ter o passaporte apreendido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Os argumentos da turma do deixa-disso no entorno de Bolsonaro têm perdido força diante da possibilidade de o ex-presidente ser condenado a penas que podem chegar a mais de 40 anos de prisão.

Sentado à frente dos ministros, Bolsonaro levou em seu paletó a Medalha do Pacificador com Palma -uma das principais honrarias militares.

Quando estava no Planalto, ele usava o acessório quando queria denotar coragem, como em debates eleitorais ou quando foi entrevistado pelo Jornal Nacional, da TV Globo, em 2022.

A condecoração foi entregue ao capitão reformado em 2018, por uma ação de 40 anos antes, em 1978, quando Bolsonaro ajudou a retirar da lagoa um soldado que se afogava.

A medalha é concedida para militares e civis que, em tempos de paz, tenham realizado “atos pessoais de abnegação, coragem e bravura” com risco de morte.

O próprio Bolsonaro pleiteou a medalha em setembro de 2013. Ele enviou um ofício ao então comandante do Exército, Enzo Peri, pedindo a abertura de um processo interno para avaliar a entrega da honraria.

O fator surpresa da sua presença no Supremo reforçou ainda mais o caráter político que ele busca imprimir ao julgamento. Parlamentares e integrantes do seu entorno estavam em sigilo sobre a movimentação até o último segundo.

Ao aterrissar em Brasília nesta manhã, ele foi questionado por jornalistas sobre onde acompanharia a sessão e se recusou a responder. A expectativa inicial, aventada por deputados, era de que fosse para a casa do líder da oposição, Zucco (PL-RS), que acompanhou-o no voo.

No aeroporto, ele fez uma breve declaração a jornalistas, em que criticou o processo em que pode virar réu. Também mais cedo, divulgou um texto no seu canal de WhatsApp em que classifica o processo como “aberração”, critica Moraes e nega as acusações.

“Todo o processo jurídico contra mim é uma aberração jamais vista! Investigações demoram seis anos, sem prazo de previsão de término. Pessoas são presas e coagidas a fazer delação premiada para salvar suas famílias. As defesas são cerceadas, as investigações correm em segredo de Justiça e realizadas prisões arbitrárias”, escreveu.

Bolsonaro foi ao Supremo acompanhado de parlamentares, que se queixaram de restrição de espaço. Estavam com ele Zucco, Mário Frias (PL-RJ) e Evair de Melo (PP-ES), entre outros.

Depois do fim da sessão, o ex-presidente fez postagem em rede social na qual questionou o entendimento do STF sobre quem deve julgar a ação penal e a prerrogativa de foro.

“Preservar o foro por um motivo ‘carimbado’, mas negar o julgamento pelo órgão competente, é transformar a Constituição e o Regimento em um self-service institucional: escolhe-se o que serve ao objetivo político do momento e descarta-se o que poderia garantir um julgamento minimamente justo”, diz o texto.

Nesta terça-feira (25), o STF não aceitou o pedido da defesa do ex-mandatário de que o caso fosse julgado por todos os ministros da corte.

O Congresso, nesta semana, está mais esvaziado diante da ausência dos presidentes das Casas, que viajaram com Lula para o Japão.

Mas, ainda assim, a oposição na Câmara orientou seus deputados a obstruir a pauta do plenário e das comissões, que começaram a operar nesta semana, em forma de protesto contra o julgamento.

No caso do plenário, só há previsão de votação de propostas para o mês da Mulher -que, dependendo do sucesso da obstrução, podem acabar prejudicadas.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, o ministro Alexandre de Moraes tem dado ritmo acelerado para o julgamento -14 vezes mais rápido que o do mensalão.

Bolsonaro chamou Moraes de “vítima, investigador e julgador de sua própria causa”. E diz estar sendo acusado de crimes que não cometeu.

O ex-presidente admite ter “conversado com auxiliares sobre alternativas”, mas nega “ruptura democrática”. As investigações da PF mostram que Bolsonaro conversou com a cúpula das Forças Armadas sobre a possibilidade de golpe e chegou a apresentar um decreto a eles.

Bolsonaro não reconheceu a derrota após as eleições, passou o processo eleitoral questionando as urnas eletrônicas e saiu do país para não entregar a faixa presidencial para Lula. Ele mudou o discurso e passou a tratar a disputa como página virada ao voltar ao Brasil, em 2023.

“Me acusam de um crime que jamais cometi -uma suposta tentativa de golpe de Estado. Conversei com auxiliares alternativas políticas para a Nação, mas nunca desejei ou levantei a possibilidade da ruptura democrática”, disse.

“A democracia prevaleceu! Não houve golpe de Estado, o candidato adversário tomou posse, sai do País, não estava aqui no dia 8/1 e mesmo assim tentam me condenar. Sabem que se eu disputar a eleição presidencial de 2026 serei vitorioso e colocarei, novamente, o Brasil no rumo certo”, completou.