SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Coletivos de redução de danos que atuam na cracolândia, no centro de São Paulo, dizem enfrentar dificuldades para realizar seus trabalhos no fluxo, como é conhecida a concentração de dependentes químicos.

Conforme os grupos, os empecilhos partem da GCM (Guarda Civil Metropolitana), responsável pela segurança na rua dos Protestantes e entorno. A situação se arrastaria há um algum tempo. Um dos coletivos diz que as dificuldades para entrar começaram após as eleições municipais. Outro afirma que os problemas ocorrem desde fevereiro. Um terceiro, de setembro para cá.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo diz que segue trabalhando para aprimorar a gestão das ações sociais na região, priorizando locais e horários adequados para um melhor atendimento da população envolvida. “Em caso de princípio de tumulto ou qualquer circunstância que represente risco à integridade dos envolvidos, a Polícia Municipal atua na orientação e, se necessário, na desmobilização das atividades”.

Assim que chegam para as apresentações, ainda de acordo com os relatos, guardas tomam a frente e impedem a passagem dos integrantes dos coletivos. Em alguns casos, somente depois de muita conversa ocorre a liberação para as atividades, supervisionadas por agentes de segurança municipal.

O Pagode na Lata, que usa o samba para promover socialização e redução de danos, é um desses coletivos. O grupo se apresenta na cracolândia há sete anos. Os encontros ocorrem a cada 15 dias, sempre às segundas-feiras.

Segundo o sociólogo Marco Maia, 41, o Marquinhos Maia, o grupo foi impedido de se apresentar pela primeira vez em 17 de fevereiro. O Pagode na Lata procurou a Defensoria Pública, que encaminhou ofício para Guarda Civil Metropolitana pedindo esclarecimentos.

A reportagem teve acesso à resposta. Conforme a GCM, o impedimento naquela data não ocorreu por causa de uma norma da guarda, “mas sim de responsabilidade inerente à função do Guarda Civil Metropolitano com a segurança de todos os cidadãos”.

Conforme a GCM, naquela data, na chegada dos sambistas, “o fluxo se encontrava bastante agitado, com o clima bastante tenso”. Por esse motivo, “coube a orientação pontual de que não deveriam adentrar ao fluxo, sob risco de exporem as suas próprias segurança e integridade física, bem como dos usuários das cenas abertas de uso”.

De acordo com Maia, eles foram novamente impedidos de tocar e de realizar o trabalho com usuários em 3 de março.

Maia contou que depois, no dia 17, conseguiram se apresentar. Naquela data, eles estavam na companhia de um repórter fotográfico da Folha de S.Paulo e do vereador Toninho Vespoli (PSOL). Para Maia, a situação é “uma perseguição aos coletivos do território”.

O TTT, sigla para Teto, Trampo e Tratamento, é outro projeto com atuação na cracolândia. Há cinco anos, eles levam atividades circenses aos dependentes químicos, com palhaços e uma espécie de show de calouros, que convida os usuários a cantar e dançar.

Vários deles já aceitaram ingressar no projeto, que também garante moradia, além de aulas de português, dança, cinema, figurino e percussão, realizadas na Funarte.

Desde meados de outubro passado o Teto, Trampo e Tratamento tem enfrentado dificuldades em acessar a área, segundo o médico e idealizador, Flavio Falcone, 45.

“O instrumento principal da redução de danos é o vínculo criado com a pessoa. Esse tipo de ação truculenta impede a criação dos vínculos terapêuticos”, disse.

Quem também afirma enfrentar resistência para acessar os dependentes químicos é o Cine Fluxo. O coletivo de cinema independente, que atua no local desde março de 2023, exibe obras audiovisuais. Os equipamentos utilizados são um carrinho, bateria, projetor e caixas de som.

Segundo o Cine Fluxo, o acesso aos dependentes, à época no cruzamento das ruas Vitória e Guaianases, ocorreu sem intercorrências. Foi quando os usuários seguiram para a rua dos Protestantes, endereço atual, que começaram a ser barrados.

De acordo com o grupo, eles foram impedidos de entrar no fluxo pela primeira vez em 4 de setembro. O mesmo ocorreu outras duas vezes neste ano, nos dias 29 de janeiro e 26 de fevereiro.

De acordo com o grupo, na primeira vez eles foram embora sem se apresentar. A justificativa dada pela GCM foi de que haveria uma operação. Nos episódios que ocorreram neste ano, o grupo acabou realizando as exibições em uma rua ao lado.

Na quarta-feira (12), assim que chegaram próximo do fluxo, guardas se posicionaram de maneira a frear o acesso aos dependentes químicos. Houve uma conversa acompanhada pela reportagem. Cerca de 30 minutos depois, os GCMs liberaram a apresentação.