BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Brasil e países vizinhos da América Latina buscam se adiantar para evitar que uma futura rota continental, prevista para ficar pronta em 2026, seja transformada em um atalho para atividades criminosas, como o tráfico internacional de drogas e de armas.

A chamada Rota Bioceânica faz parte de um projeto de integração sul-americana que conectará Brasil, Paraguai, Argentina e Chile. O objetivo é fortalecer o fluxo comercial e agilizar o escoamento de produtos pelo Oceano Pacífico –trata-se de uma das principais apostas do governo Lula (PT) para expandir a integração com a Ásia.

Com a preocupação de que o empreendimento facilite uma rota para a criminalidade, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) tem construído um acordo inédito com as nações envolvidas. Entre as medidas previstas, estão a criação de um sistema de troca agilizada de informações, de dados de inteligência, além de planos para a abertura de postos de controle e fortalecimento da fiscalização.

Há um memorando de entendimento com os países que integram a rota e nações próximas, como o Uruguai. O Paraguai já assinou a documentação. Nos próximos dias será a vez de Chile e Uruguai. A PRF ainda aguarda a resposta da Argentina para avançar à fase de assinatura do acordo.

“Qualquer via desse porte que se abre torna-se um novo portal, sendo usada pelo crime organizado, pelas empresas e pelos turistas. Por isso, precisamos fortalecer a troca de informações, especialmente entre nossas equipes de inteligência e as das demais polícias, para ampliar o monitoramento”, afirmou à Folha o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Antônio Fernando Souza Oliveira.

Esse memorando, destaca Oliveira, vai simplificar o processo de troca de informações entre os países, hoje ainda deficiente. Após essa fase, a PRF dará início a um intercâmbio de agentes entre as nações impactadas pela Rota Bioceânica.

No Brasil, a futura rota percorrerá rodovias de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo. A PRF já avalia a abertura de novos postos nestes locais.

O planejamento da Rota Bioceânica ou Corredor Bioceânico de Capricórnio, como também é chamada, está sob a coordenação do Ministério do Planejamento e Orçamento. Conta também com a participação de outros 11 ministérios, além da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da Receita Federal, que também estão elaborando seus próprios planos de ação.

A Bioceânica faz parte do PAC da Integração, que conta com cinco novas rotas internacionais. Segundo previsão do governo, a integração poderá encurtar em 7.000 quilômetros a distância que os produtos brasileiros levam até o mercado consumidor asiático. Com o plano, a economia no tempo do transporte até a Ásia pode ser de 20 dias.

Atualmente, para chegar aos países da Ásia ou Oceania, os navios saem do Porto de Santos, contornam o continente africano ou fazem desvio pelo Canal do Panamá, elevando custos de frete e sujeitos a atrasos devido às condições climáticas.

Segundo João Victor Villaverde, secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento e Orçamento, a previsão é que a obra seja concluída até o final de 2026. A Rota Bioceânica projeta conectar o oceano Atlântico, no porto de Santos, ao oceano Pacífico, por meio dos portos chilenos de Antofagasta e Iquique.

No Brasil, ainda é necessária a construção de uma ponte em Mato Grosso do Sul, que ligará o país ao Paraguai, além de um trecho de 13 quilômetros na BR-267 para acesso à estrutura. Já no Paraguai, falta a conclusão de 300 kms de rodovia.

O secretário destacou que o objetivo não é criar novas estradas no Brasil, mas promover a integração e melhoria das vias existentes, por meio da duplicação ou triplicação de trechos, um trabalho que está sendo conduzido pelo Ministério dos Transportes.

“Isso será transformador [integração das vias e a criação da rota], não apenas para o turismo, a cultura e a gastronomia, mas também para o comércio exterior e os desafios que virão pela frente”, afirmou Villaverde.

Anvisa vai atuar nos postos já existentes

A Anvisa também está se preparando para a nova rota e enviou ao Ministério do Planejamento informações sobre os requisitos para o comércio exterior de bens e produtos sujeitos à fiscalização e controle sanitário.

Em nota, a agência reguladora afirmou que, para os pontos de passagem de fronteira estrategicamente definidos e impactados por essas rotas, serão desenvolvidos planos de contingência locais. O objetivo é a adoção de medidas sanitárias adequadas para o fluxo de cargas e pessoas.

A Anvisa não prevê, até o momento, a abertura de novos postos, levando em consideração a redução contínua do número de servidores.

A Receita Federal também foi procurada, mas afirmou que não comentaria o tema.

Além da assinatura dos memorandos de entendimento, a PRF desenvolveu o aplicativo PRF Mercosul, uma cartilha digital criada para orientar condutores e proprietários de veículos dos países da região sobre as exigências mínimas para a condução de veículos no Brasil.

Segundo o diretor-geral da PRF, a intenção é que, no futuro, o aplicativo também inclua as regras para trafegar nos demais países da Rota Bioceânica. Ele destacou que as legislações variam, tornando essencial que os motoristas conheçam as exigências específicas de cada nação.

Diferentemente do Brasil, que possui uma legislação de trânsito unificada, a Argentina, por exemplo, tem regras distintas em cada província. Para ampliar o acesso, o aplicativo está disponível em português e espanhol.