SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apresentar a peça “Tybyra – Uma Tragédia Indígena Brasileira” na França é uma meta do artista potiguar Juão Nyn, em uma espécie de resposta à morte de um indígena tupinambá, em 1614, no episódio que ficou conhecido como o primeiro caso de LGBTfobia no Brasil.

“Foram soldados franceses que mataram o Tybyra em São Luís do Maranhão, não é?”, diz.

Em cartaz no Sesc Paulista, a peça conta a história do indígena preso à boca de um canhão após ser acusado de práticas sexuais consideradas imorais na época.

O espetáculo foi idealizado por Nyn, também autor da dramaturgia. Ele está em cena ao lado de Clara Potiguara, criadora da trilha sonora original. Os dois são dirigidos por Renato Carrera e, antes da estreia oficial, fizeram seis apresentações em aldeias indígenas de São Paulo.

A história de Tybyra do Maranhão foi resgatada pelo sociólogo e antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia. Ele relatou em livro a execução do personagem histórico, o que estimulou a pesquisa de Nyn.

No palco, os artistas mostram o resultado de um processo de resgate do tupi-potiguara, língua de ancestrais que eles não dominavam. A peça é falada na língua dos povos originários, o que exigiu ensaios e concentração em dobro.

As legendas aparecem apenas em alguns momentos, para facilitar a continuidade da narrativa.

“Queremos fazer com que o espectador não-indígena viva outra experiência do teatro. Mais cinestésica, menos cerebral”, diz o diretor.

Ao incorporar o indígena assassinado, Nyn sente o tupi voltando para o seu corpo. “De alguma maneira é uma forma de dançar e cantar. Sinto que é uma metodologia de resgate da língua”, explica.

O artista acredita que, ao verem o tupi-potiguara em uma obra de arte, os jovens indígenas vão se interessar, tentarão aprender e terão orgulho das origens.

Clara, nascida na terra indígena de Baía da Traição, na Paraíba, aprendeu tupi na escola, mas também vive um resgate ao lidar com a língua em sua rotina atual de artista. Antes, a língua não fazia parte de seu cotidiano.

Ao mesmo tempo que faz esse resgate, a cantora vive o choque cultural ao passar, pela primeira vez, uma temporada em São Paulo, cidade que não conhecia.

“Saí do interior da Paraíba e vim fazer muitas coisas novas, descobrir coisas novas. Tem sido incrível. Tudo tem sido marcante”, afirma.

Ela foi convidada por Nyn para o espetáculo e enxerga a presença no palco do Sesc Paulista como uma ocupação de novos espaços e expansão de sua música.

A peça começou a ser idealizada em 2019, quando Nyn, artista indígena nascido no Rio Grande do Norte, teve vontade de fazer um monólogo. Ele lembrou dos relatos orais sobre a história de Tybyra e começou uma ampla pesquisa que deu origem à sua dramaturgia de estreia, publicada em livro e chamada de teatro de retomada.

“O teatro foi a primeira linguagem artística a colonizar o país. Foi utilizada como ferramenta para ensinar o português, o cristianismo. Entendi que eu deveria usar o teatro para o contrário –uma ferramenta para devolver a dignidade às línguas, aos corpos e às culturas indígenas”.

Nyn afirma que não existe povo mais teatral do que o indígena. Ele cita o teatro pré-Ocidente, pré-Caravelas e a força da contação de histórias por meio da musicalidade, das línguas e da corporalidade originárias.

Ele e Clara têm em comum o fato de fazerem parte de um grupo que reúne indígenas LGBT+ de todas as regiões do Brasil. São pessoas que lidam com a complexidade desse tema nas comunidades indígenas, o que inclui a LGBTfobia em muitos territórios. Os dois acreditam que a peça pode contribuir para o avanço da questão.

“Tem uma importância muito forte ao dizer para os nossos que a gente sempre existiu, que a gente só quer exercer nossa natureza”, afirma o dramaturgo. Ele aponta a colonização europeia e a imposição da religiosidade católica como causadoras do preconceito entre indígenas.

Assinado por Zé Valdir Albuquerque, o cenário de “Tybyra” tem fundo e chão vermelhos e uma igaçaba –jarro– de dois metros de altura que é, ao mesmo tempo, uma urna funerária e a boca de um canhão, um elemento cênico sintetizador da violência da colonização.

Nyn pede ao público que leve uma pena para que, no final da temporada, um manto possa ser criado de forma coletiva, em um resgate cultural de povos de mesmo tronco linguístico.

Em 2024, o povo tupinambá se reencontrou com um manto que retornou ao Brasil após mais de 300 anos exposto no Museu da Dinamarca. O objeto, raro e sagrado, foi levado para a Europa em 1644 e lá ficou até ser repatriado, em uma ação de reparação de direitos violados.

TyByRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira

Quando: Até 6 de abril. Quinta a sábado, às 20h. Domingo, às 18h.

Onde Sesc: Paulista

Preço: R$ 50 (inteira), R$ 25 (meia) e R$ 12 (credencial plena do Sesc)

Autoria: Juão Nyn

Elenco: Juão Nyn e Clara Potiguara

Direção: Renato Carrera