UBATUBA, SP (FOLHAPRESS) – Em 21 de junho de 1952, cerca de 400 presos amotinados tomaram as instalações da Ilha Anchieta, na costa de Ubatuba, que servia como prisão de segurança máxima de São Paulo. A revolta deixou mortos 108 detentos e dez funcionários, tornando-se a revolta carcerária mais sangrenta do Brasil -superada apenas pelo Carandiru, em 1992. O episódio ficou conhecido como a “Fuga da Alcatraz Brasileira” e foi determinante para o fechamento do presídio em 1955, depois de três anos de julgamentos.

Agora, o Governo do Estado investe R$ 5 milhões na ilha do litoral norte para restaurar e, principalmente, estancar a deterioração das ruínas do presídio, que permaneceu abandonada desde seu fechamento. A ideia é reforçar o turismo no local, que virou um Parque Estadual em 1977 e atrai 60 mil visitantes por ano. A Folha visitou as obras com exclusividade.

O trabalho, começado em abril do ano passado, é focado nos oito pavilhões da prisão e seus anexos, como a solitária. As edificações são bem mais humildes que a Alcatraz original, mas estavam em pior estado de conservação.

As paredes, por exemplo, estavam esfarelando, necessitando resina nos tijolos expostos. Todos os telhados foram arrancados por estarem muito deteriorados. O mesmo fim se deu à maioria das barras de ferro nas janelas e portas, que antes continham os presos.

É uma luta contra o tempo, explica Álvaro Netto, engenheiro-residente da Kruchin Arquitetura, que toca a obra. “Há todo um estudo prévio do que irá se manter ou não, visando sempre a conservação. Mesmo assim, durante as obras, encontramos materiais que precisam ser descartados.”

Grande parte dos pisos foi substituído. Aqueles em boa condição receberam reforço na base para que parassem de afundar. Um pavilhão teve o concreto trocado por grama, e, no futuro, será um jardim.

Na antiga cozinha, houve o cuidado de replicar os antigos ladrilhos, encomendados em uma fábrica da capital.

Tudo é dificultado por estarmos numa ilha, diz Netto. “Como concretar um piso no céu aberto de ‘Ubachuva’? Também é a primeira vez que uso a lua para calcular a fase da maré, que permite ou não o descarregamento de funcionários e materiais.”

Isso, segundo o engenheiro, explica o atraso na obra, prevista inicialmente para terminar em fevereiro. O novo prazo de conclusão é junho deste ano.

Hospedagem e comércio

O restauro das ruínas faz parte da transformação da Ilha Anchieta. Hostel, restaurante, lojinha, trilhas e passeios são novidades trazidas e controladas pela permissão assinada em 2023 com empresa Green Haven, válida por dez anos.

“Quando cheguei, há 15 anos, não havia água tratada nem energia sustentável”, conta Priscila Saviolo, chefe do parque. “Eu tinha que me preocupar se haveria papel suficiente nos banheiros. Agora é problema da permissionária”, brinca.

Eles ocuparam edificações auxiliares à prisão, como o hospital, já que toda extensão da ilha é tombada desde 1985. A escola, o hospital e a antiga casa do tenente foram transformados em hospedagem. Ao todo, são 70 leitos. Já a casa (chamada de Casa de Vidro) é alugada como um todo.

Vista da pier e das ruínas da antiga cadeia da Ilha Anchieta, no litoral norte de SP Eduardo Knapp Folhapress **** Para chegar à ilha é necessário embarcar em escuna, lancha ou moto aquática saindo de píers e praias de Ubatuba.

Após desembarcar na ilha, é cobrada uma taxa ambiental que sai por R$ 19 para brasileiros; R$ 28 para estrangeiros do Mercosul; e R$ 37 para demais estrangeiros. Residentes de Ubatuba não pagam.

“É justa a taxa ambiental. É um paraíso aqui. Há muito cuidado, água e praias limpinhas. Salgado é o restaurante. Paguei R$ 20 num suco”, diz Débora Machado, de Barretos, que visitava a ilha.

Fauna, flora e história

Quem vê os montes esverdeados da ilha não imagina que na época da prisão era quase tudo descampado. “Uma das nossas obrigações como parque é tentar cultivar e restaurar o ecossistema original da ilha”, afirma Priscila.

Animais invasores, como capivaras, estão sob controle fértil para serem erradicados.

Quanto à vegetação, atualmente, são 128 hectares em tratamento –quase sete Maracanãs. Um dos maiores desafios é conter espécies exóticas, como o bambu trazido pelos 170 japoneses que ficaram detidos na Ilha Anchieta durante a Segunda Guerra Mundial.

A história traz muitos turistas do Japão e até campeonato de Kendo, arte marcial japonesa com espadas samurais, já foi sediado no local.

Os búlgaros e gagaúzes originários da Bessarábia também possuem conexão com a ilha, mas de forma mais trágica. Com a promessa de terras e riquezas, quase 2.000 se mudaram para lá em 1926, sem amparo. Cerca de 150 morreram envenenados após comerem mandioca brava. A maioria era criança.

O cemitério onde eles estão enterrados é a estrutura mais antiga da ilha, construída ainda sob administração colonial.

Mais fatos da história local podem ser conferidos no prédio principal, que servia como administração da prisão.

Como chegar à Ilha Anchieta

– Saindo de São Paulo: cerca de 200 km pela rodovia dos Tamoios, com R$ 32,80 de pedágio

– Acessos: só é possível chegar à ilha através de barcos credenciados (disponíveis no site da Green Haven), num trajeto de 15 a 45 min. Não há balsas. Os principais pontos de saída são: Píer do Saco da Ribeira, praias do Perequê Mirim, Itaguá, Enseada e Lázaro.

– Horários: o parque só fica aberto das 9h até as 17h. Isso não impacta turistas hospedados.

– Taxa ambiental: R$ 19 para brasileiros; R$ 28 para estrangeiros do Mercosul; e R$ 37 para demais estrangeiros. Residentes de Ubatuba não pagam.

– Limite de visitantes: 1.020 pessoas podem visitar a ilha por dia