SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ampliou os ataques ao Judiciário do país, transformando o embate com juízes em uma das marcas do começo do seu segundo mandato. A escalada da tensão levou acadêmicos e parlamentares a debater se os EUA estão diante de uma crise constitucional ou à beira de uma.
Por trás dos ataques disparados pelo republicano está a discussão sobre até onde vão os poderes do Executivo, algo que ele tem buscado ampliar. A avaliação de analistas é que deve caber à Suprema Corte, com 6 juízes conservadores entre seus 9 integrantes, definir esses limites da atuação do presidente e eventualmente dar nova interpretação ao que prevê a lei.
Trump sempre foi crítico de juízes que contrariam seus interesses, tanto na primeira gestão quanto no período fora da Casa Branca, também acusando investigadores de agirem politicamente.
O caso ganhou contorno inédito nesta semana quando o presidente americano defendeu o impeachment do juiz federal James Boasberg, que mandou suspender a deportação de imigrantes venezuelanos sob uma lei de guerra do século 18.
“Este juiz, como muitos dos juízes corruptos diante dos quais sou obrigado a comparecer, deveria ser destituído”, afirmou o republicano em sua rede, a Truth Social.
A manifestação gerou uma reação rara, inédita no primeiro mandato do republicano, do presidente da Suprema Corte, John Roberts. “Por mais de dois séculos, ficou estabelecido que o impeachment não é uma resposta apropriada para desacordos sobre uma decisão judicial”, disse ele em um comunicado. “O processo normal de revisão de apelação existe para esse fim.”
Apesar da ordem para que o governo não deportasse os venezuelanos, os aviões carregando os imigrantes pousaram em El Salvador e, agora, o juiz Boasberg analisa se o governo Trump desafiou uma ordem judicial o que ele e seus aliados negam.
A Casa Branca afirmou que Trump tem respeito pelo presidente do mais alto tribunal do país, mas insistiu na defesa da destituição do juiz federal. A secretária de Comunicação da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse em entrevista que a Suprema Corte precisa conter “juízes ativistas”.
As declarações de Trump tiveram o respaldo do bilionário Elon Musk e geraram uma onda de ataques nas redes sociais. As publicações incluíram ameaças, como imagens de juízes algemados.
Reportagem do jornal The New York Times mostrou que diversos integrantes do Judiciário estão preocupados e tentam reforçar a própria segurança.
Neste ano, foram protocolados no comitê judiciário da Câmara pedidos de impeachment contra quatro magistrados que deram decisões contra decretos de Trump. Para continuarem, os processos precisam de aval da maioria dos deputados e depois ir para o Senado, que abriria um julgamento.
Para o impeachment ser aprovado seriam necessários 67 votos dos 100 senadores, sendo que os republicanos têm uma maioria de apenas 53 na Casa. Ou seja, dificilmente a medida passaria.
Nos EUA, Trump ainda não ousou criticar um juiz da Suprema Corte. Mas há uma avaliação entre acadêmicos e políticos que ele tem testado mais os limites dos seus poderes batendo recorde de decretos assinados, com centenas de questionamentos às medidas em cortes do país.
“Trump está agindo conforme o que acredita serem as implicações lógicas da ideia de que, constitucionalmente falando, o Presidente é o ramo Executivo do governo”, disse à Folha Peter Shane, professor de direito da NYU (Universidade de Nova York).
Ele explica que pela teoria do Executivo unitário, o presidente, se quiser, pode se apossar de qualquer tarefa que precisaria ser feita por uma agência do governo sem estar sujeito às restrições legais que o órgão teria.
“Isso nada mais é do que um esforço para efetuar uma mudança constitucional radical sem realmente emendar a Constituição”, avalia Shane, autor do livro “O Chefe do Executivo da Democracia: Interpretando a Constituição e Definindo o Futuro da Presidência”.
“Neste mandato, ele tem sido muito mais agressivo ao emitir decretos e adotar novas políticas que realmente desafiam os limites legais. Ele está tentando expandir o Poder Executivo e limitar o Poder Judiciário”, afirma a professora Cassandra Robertson, professora na faculdade de direito da Universidade Case Western Reserve.
“Tendo a pensar que eu veria isso como uma crise constitucional sempre que há esse tipo de tentativa de mudar o equilíbrio de poder entre os três ramos do governo, uma espécie de desrespeito aos padrões constitucionais e normas legais”, diz ela, ponderando que o conceito de crise é muito relativo.
Para a professora, caberá à Suprema Corte, onde há uma maioria conservadora consolidada por indicações de Trump durante seu primeiro mandato, dar a palavra final quando as ações chegarem lá.
Para além do alto tribunal, o presidente fez mais 200 indicações durante sua primeira passagem pela Casa Branca para tornar o Judiciário mais favorável a ele. Segundo reportagem do site Político, Trump planeja fazer o mesmo agora.
Ele deve ter cerca de 45 vagas para preencher. Ainda é incerto se ele poderá indicar algum novo nome à Suprema Corte, mas essa possibilidade existe diante da idade de dois magistrados: Clarence Thomas, 76, e Samuel Alito, 74. Se eles decidirem se aposentar, os assentos ficarão abertos os dois já fazem parte da ala conservadora do tribunal.
Juízes federais já ordenaram a reintegração de milhares de funcionários federais em período probatório, bloquearam o fim da cidadania por nascimento, impediram o congelamento de bilhões em fundos federais e determinaram que a gestão retome o programa de admissão de refugiados.
Outras ações judiciais barraram a deportação do ativista palestino Mahmoud Khalil, forçaram o governo a pagar contratos da Usaid, a agência de ajuda externa americana, impediram o corte de bolsas de estudo para formação de professores e bloquearam a transferência de detentas trans para prisões masculinas.
Quais decretos de Trump estão parcial ou totalmente bloqueados:
– Fim do direito de cidadania de filhos de imigrantes por nascimento
– Restrição de contratação de empresas por terem políticas de diversidade e inclusão
– Acesso a tratamento para pessoas transgêneros com menos de 19 anos
– Bloqueio de verbas para ajuda internacional
– Suspensão de programas de refugiados
– Proibição de transgêneros se alistarem no serviço militar
Outras medidas:
– Juízes determinaram a reintegração de milhares de funcionários federais em período probatório que foram demitidos
– Juiz brecou a deportação do ativista palestino Mahmoud Khalil
– Juiz bloqueou a deportação de venezuelanos sob a Lei de Inimigos Estrangeiros