SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A renda média de faxineiras, cozinheiras e babás negras correspondia a 86,1% do ganho das profissionais brancas entre 2012 e 2022. Ainda que tenha em sua sua maioria mulheres negras, o trabalho doméstico está entre as profissões que pagam mais para brancos do que para pretos e pardos.
A desigualdade salarial se agravou ao longo dos anos e mulheres negras passaram a ganhar ainda menos do que brancas, segundo levantamento divulgado nesta sexta-feira (21), Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, pelo Cedra (Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais).
Enquanto em 2012 trabalhadoras pretas e pardas recebiam, em média, R$ 503,23 e empregadas brancas ganhavam cerca de R$ 576, em 2022 os salários eram de R$ 978,35 e R$ 1.184,57, respectivamente um crescimento de 4,8 pontos percentuais na desigualdade.
O levantamento tem como base números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2012 a 2023.
Para a coordenadora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas e secretária-geral da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Trabalhadoras Domésticas, Cleide Pinto, o dado não surpreende.
“O Brasil carrega uma herança escravocrata em que as pessoas agem como se as trabalhadoras domésticas, principalmente as negras, tivessem a obrigação de servir. Essa discriminação faz com que, quando tem uma mulher branca, ela ganhe mais, mesmo que saiba fazer a mesma coisa que a mulher negra.”
A distinção aparece também na distribuição de funções e cargos e profissionais negras com cursos e certificações de cozinheiras ou cuidadoras, por exemplo, podem ser preteridas por trabalhadoras brancas. “Você pode ter até a instrução, mas se tiver uma mulher branca, vão preferi-la.”
É comum, segundo a coordenadora, que as negras ocupem funções mais escondidas da casa, para que as famílias não tenham contato. Já o cargo de governanta, com um salário maior, costuma ser reservado às mulheres brancas, o que intensifica a diferença salarial.
O levantamento do Cedra também analisou a composição dos cargos de chefia no Brasil. Pessoas pretas e pardas representavam, em média, 55,2% da população brasileira entre 2012 e 2023, de acordo com o IBGE, mas ocuparam cerca de 31,8% dos cargos gerenciais nesse período.
Em 2012, pessoas negras eram 53% da população e ocupavam 31,5% das funções gerenciais. Já em 2023, pretos e pardos representavam 56,5% da população, mas apenas 33,7% dos cargos gerenciais.
Os dados representam um aumento na proporção de negros na população em 3,5 pontos percentuais. Já no recorte da ocupação, o aumento foi de 2,2 pontos percentuais.
O levantamento mostra que havia proporcionalmente mais mulheres brancas em cargos gerenciais do que na população entre 2012 e 2023, enquanto mulheres negras eram sub-representadas nessas posições.
A proporção de funcionárias brancas em cargos gerenciais aumentou 1,5 ponto percentual de 2012 a 2023, enquanto a população diminuiu de 24,1% para 22% no período.
Já trabalhadoras negras aumentaram tanto nos cargos gerenciais (1,3 pontos) quanto na população (de 26,5% em 2012 para 28,5% em 2023), mas seguiram sub-representadas, com aumento da desigualdade.
Segundo Cristina Lopes, diretora-executiva do Cedra, as ações afirmativas implementadas nos últimos anos contribuíram para o crescimento do número de mulheres em cargos de chefia. “Mas isso não significa que essa melhora crie uma situação de maior equidade entre as trabalhadoras brancas e negras”, diz.
Para ela, uma mudança significativa nos próximos dez anos depende da implementação efetiva de políticas públicas direcionadas à população negra, sobretudo para as mulheres. “Elas ainda se encontram nos extratos mais baixos de renda e são responsáveis pela maior parte dos domicílios no Brasil”, diz.
Cleide Pinto, da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, diz que a conscientização das profissionais é uma das principais armas de combate à desigualdade. O trabalho da organização social passa pelo acesso à informação sobre direitos trabalhistas, salário digno, e moradia para que tenham autonomia.
“Ela voltando para casa, pode ter a própria família. Isso desenvolve a autoestima. Principalmente a mulher negra, ela vai entender que não é inferior a ninguém e que o trabalho dela é digno como qualquer outro. Assim, ela consegue não se deixar ser discriminada e vai saber que tem direito a um salário justo.”