SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No primeiro evento público desde que saiu do comando do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto abriu sua fala com uma piada: “Estou feliz que a minha tarefa aqui não é falar sobre política monetária ou fiscal hoje.”
Aos presentes no evento “Brasil em Transição: Estabilidade Macroeconômica, Desafios Climáticos e Progresso Social”, promovido pela XP Private Bank com a Miami Herbert Business School, o ex-presidente da autarquia deixou o balanço de riscos da economia brasileira de lado para falar sobre transformação financeira no mundo das moedas digitais.
“Minha maior previsão é a de que bancos tradicionais serão profundamente abalados por bancos de plataformas digitais. É um processo que já está acontecendo e que vai acelerar nos próximos dois anos”, disse Campos Neto em um auditório da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, citando Nubank, Mercury e Revolut como exemplos de ganhos de mercado.
A previsão se sustenta na capacidade de um banco digital oferecer serviços tecnológicos a um custo “muito mais baixo” do que o das instituições tradicionais, o que irá se traduzir “em um custo mais baixo de atração e retenção de clientes”. O movimento já está em curso no Brasil e em outros mercados emergentes, com a crescente digitalização dos sistemas financeiros daqui contrastando com serviços agora datados de países ricos.
“Pela crescente digital, os emergentes são mais evoluídos. Ainda se usa talões de cheque nos Estados Unidos”, diz ele.
O processo todo é descrito por Campos Neto como “disrupção”. Segundo ele, o surgimento de métodos de pagamento instantâneo como o Pix -gestado e implementado enquanto ele esteve à frente do BC- está fazendo com que a “parte transacional” dos bancos valha cada vez menos. Isto é, serviços de crédito e débito podem perder espaço global conforme a tecnologia avança, como tem ocorrido no Brasil.
“O Pix pode ser por aproximação. Eventualmente, terá funções de cartão de crédito. Pagamentos instantâneos estão mudando a forma com que os bancos transacionais funcionam”, diz ele.
Ele ainda afirma que plataformas digitais terão mais facilidades em uma eventual internacionalização dos sistemas financeiros. A “disrupção” do modelo bancário tradicional, neste ponto, virá do crescimento de bancos globais, capazes de realizar pagamentos transfronteiriços.
O ex-presidente do BC ainda enfatizou a importância de dados abertos e sistema financeiro aberto (open data e open finance, nos termos em inglês) para “reduzir a assimetria de informação”. Na análise dele, os mecanismos permitirão que os consumidores tenham mais controle sobre os próprios dados e comparem serviços de diferentes instituições conforme suas necessidades.
Ele também justificou o argumento com a tendência de “programabilidade do dinheiro”, um conceito que envolve a criação de moedas digitais programáveis como CBDCs (moedas digitais de bancos centrais) e stablecoins (criptomoedas lastreadas em moedas do mundo real, como o dólar). Exemplo disso é o Drex, a versão digital do real no Brasil. A existência de moedas digitais emitidas por autoridades monetárias também será um fator de disrupção para o sistema bancário tradicional.
Em um futuro próximo, Campos Neto ainda disse enxergar a existência de uma única plataforma integrada. “Você não terá no seu celular um aplicativo do banco A, B ou C. Veremos esses mercados de finanças em um único aplicativo com todos os seus dados, e você poderá migrar suas informações para diferentes instituições e comparar produtos financeiros a preços mais baratos”, afirmou.
Essa foi a primeira aparição pública do ex-mandatário do BC desde que deixou o cargo, em 31 de dezembro do ano passado. Ele recebeu autorização para dar palestras neste primeiro semestre, desde que não compartilhe informações sigilosas obtidas durante a passagem pelo setor público. Campos Neto ainda deve cumprir quarentena até junho sem prestar serviços ao setor privado.