BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – O maior pacote de estímulo econômico da Alemanha desde a reunificação superou seu último obstáculo nesta sexta-feira (21). Em votação tranquila, como esperado, o Conselho Federal aprovou o projeto capitaneado por Friedrich Merz, o conservador que assumirá o posto de primeiro-ministro do país no próximo mês.
Em sua primeira consequência direta, a legislação viabilizou 3 bilhões (R$ 18,6 bilhões) em ajuda à Ucrânia, anunciados horas depois de sua aprovação.
Chamado Bundesrat, o Conselho Federal funciona como a Câmara alta do sistema político alemão e é composto por representantes dos 16 estados, que apreciam matérias que os afetam. O pacote proposto por Merz e pelo SPD, do atual premiê, Olaf Scholz, cria isenções no freio da dívida, a versão local do teto de gastos, para dispêndios com defesa e 500 bilhões (R$ 3,1 trilhões) direcionados à atualização da infraestrutura do país.
O decisivo apoio dos Verdes surgiu depois que 100 bilhões (R$ 620 bilhões) foram carimbados para investimentos em transição energética. Analistas projetam desembolso de até 1 trilhão (R$ 6,2 trilhões) pela próxima década, com efeitos significativos na economia da União Europeia.
Parte dos gastos, que quebram uma austeridade fiscal de décadas, vai para os estados, que também terão maior flexibilidade para contrair dívidas. Uma última tentativa judicial da AfD, o partido de extrema direita do país, de interromper a votação, foi negada pelo Tribunal Constitucional. Algumas coalizões estaduais, formadas por legendas que se opunham ao pacote, optaram pela abstenção. O projeto acabou obtendo 53 votos de 69 possíveis.
A vitória política de Merz, que aprovou a legislação no Parlamento antigo, onde tinha maiores chances de aprovação, terá consequências imediatas. Um repasse de 3 bilhões de euros para a Ucrânia, já planejado, mas até aqui sem financiamento, foi confirmado nesta sexta-feira (21) por Scholz. O atual primeiro-ministro e o sucessor acertaram a transferência na terça-feira (18), antes da votação do projeto no Parlamento.
A movimentação vai de encontro ao acordo de cessar-fogo costurado pelos EUA com a Rússia, ainda longe de se materializar. A intenção dos alemães, no entanto, parece ser exatamente sinalizar que o país e a Europa não permitirão um acerto que fragilize a posição do continente diante de Vladimir Putin.
“A ameaça do leste, de Moscou, ainda está presente, enquanto o apoio do oeste não é mais o que estávamos acostumados”, declarou o primeiro-ministro da Baviera, Markus Söder, aliado de Merz, pouco depois da aprovação. A disposição de Donald Trump de alcançar o fim da guerra a qualquer custo e um discurso provocativo sobre a democracia na Europa de seu vice, J.D. Vance, na véspera das eleições alemãs, deram ao conservador o argumento da urgência para antecipar o pacote.
Foi um passo arriscado, já que uma derrota no Bundestag, o Parlamento alemão, poderia prejudicar sua costura de coalizão com o SPD para o próximo governo e até mesmo seu posto de primeiro-ministro.
Merz foi cumprimentado publicamente pelos principais líderes europeus, como o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Ao mesmo tempo que o inédito incentivo aos gastos militares é bem-vindo em termos geopolíticos, uma Alemanha gastadora, na prática, causa preocupação em Bruxelas.
Segundo o site Politico, diplomatas temem que as empresas do país sejam favorecidas na concorrência com seus pares europeus. É inegável que o impulso do pacote alcançará todo o bloco, mas a questão são os efeitos colaterais. A Alemanha pode se destacar demais dos parceiros endividados, como França, Itália e Espanha. Há ainda o temor que a inédita folga financeira seja usada em subsídios para atrair novos investimentos para o país.
Economistas de instituições financeiras, no entanto, creem que o pacote pode levar até dois anos para gerar efeitos práticos. O processo eleitoral atrasou, por exemplo, a discussão do orçamento. A coalizão de Merz deve sair do papel apenas na Páscoa, em meados de abril, retardando ainda mais o processo.
“Sei que estou abusando da minha credibilidade”, declarou Merz, em um evento do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, na mesma hora em que seu projeto era aprovado no Bundesrat. Segundo pesquisa de opinião, 73% dos eleitores se sentem de alguma forma enganados pela manobra que patrocinou.
“Não podemos resolver todos os problemas com dinheiro.”