JUCURUTU, RN, E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – A construção da barragem de Oiticica, inaugurada nesta quarta-feira (19) no Rio Grande do Norte pelo presidente Lula (PT), fez como que cerca de 4.000 pessoas deixassem suas casas em áreas ribeirinhas no entorno do rio Piranhas.
A obra demandou um investimento de R$ 765 milhões, faz parte do projeto de transposição do rio São Francisco e vai garantir o abastecimento de água para 294 mil pessoas em 22 municípios da região do Seridó, sertão potiguar.
Uma das principais áreas atingidas pela nova barragem foi o povoado de Barra de Santana, em Jucurutu (260 km de Natal). Parte dos moradores foi deslocada para um novo povoado construído do zero e batizado de Nova Barra de Santana. Outra parte recebeu indenização e foi morar em outras regiões.
A área do antigo povoado teve a maioria de seus imóveis demolido e será inundada em breve pelas águas da barragem que virão do rio São Francisco.
“Esse processo foi bem difícil, foi muito doloroso. Nós tivemos que deixar raízes, lembranças de toda uma história, nós passamos por diversos processos, tanto mental, quanto emocional, foi difícil”, afirma a agente comunitária Rosário Medeiros, militante do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
Rosário participou da cerimônia com Lula e comemorou a entrega da barragem após 12 anos de espera pela população do Seridó, no sertão potiguar: “Estamos presenciando um sonho de uma luta de tantos anos sendo concretizado”, afirmou.
Auxiliar de sala de aula na escola, Reinailza Medeiros se disse satisfeita com estrutura da nova vila, incluindo a nova escola, mas lamentou ter que deixar para trás toda uma vida no antigo povoado.
“É muito difícil você ver que tudo o que foi construído ao longo de muitos anos de trabalho, ser demolido. A gente se mudou para outro lugar, mas o que aperta o peito é saber que a gente não pode mais voltar lá para visitar. Agora só tem escombros”, afirma.
A comunidade se organizou para mediar a construção da nova vila e a demolição da antiga um dos pedidos feitos à empresa responsável foi que a igreja da cidade não fosse colocada abaixo.
Os costumes da comunidade mudaram. No novo povoado, se tornou mais raro ter famílias sentadas nas portas das casas, conversando com os vizinhos. Parte dos moradores evitam sair de suas residências.
A comunidade Nova Barra do Santana abriga 250 famílias, que receberam novas casas e passaram a ter água encanada, saneamento básico e ruas calçadas.
A barragem tem capacidade de 746 milhões de metros cúbicos quando cheia terá uma extensão que chega a 30 quilômetros. Atualmente, apenas 7% do reservatório está ocupado.
Agora, a expectativa é ver a barragem sangrar: “Imagine quando a gente puder ver o ‘véu da noiva’, que é quando a parede do sangradouro derrama o mundão de água. A gente espera um futuro melhor, que a barragem seja um atrativo turístico na nossa comunidade”, diz Reinailza.
Iniciada em 2013, a obra tinha previsão inicial de acabar em dois anos. Mas o represamento de recursos do orçamento fez com que a construção atravessasse quatro governos Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB), Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT).
A paternidade da obra é disputada por petistas e bolsonaristas. Nesta quarta-feira (19), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que 69% da obra foi realizada ainda no governo Dilma e os 9% finais no governo Lula.
A barragem faz parte do Complexo Oiticica, que ainda engloba obras nos municípios de Jardim de Piranhas e São Fernando, ambos no Rio Grande do Norte. Nestes dois lugares, as obras têm uma execução de 64% e 79,7%, respectivamente, segundo o governo federal.
Para Rebecca Luna, professora do campus de Caicó da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o projeto que inclui a barragem deve suprir a necessidade de água no Seridó potiguar, região marcada por um regime de chuvas instável.
“As projeções climáticas futuras para a região Nordeste são de aumento de temperaturas e de condições extremas de semiaridez. Por isso a necessidade de projetos como esses para garantir o abastecimento de água durante os períodos mais críticos de seca”, avalia.
Ela ainda destaca que o remanejamento das famílias foi necessário para viabilizar a obra da barragem: “Quando a gente constrói grandes estruturas hídricas, isso envolve uma série de conflitos, deslocamento da população, mas a finalidade é a segurança hídrica. Esse é o ponto crucial dessa obra”.
O projeto para construção do Complexo de Oiticica foi elaborado há 72 anos pelo Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas). Com a inauguração, ele se tornou o segundo maior reservatório de água do Rio Grande do Norte.