SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O sindicato dos donos de escolas particulares de São Paulo quer deixar de pagar aos professores pela elaboração de provas e outras atividades escolares adaptadas para alunos com deficiência ou transtornos.
Os docentes conseguiram o direito ao pagamento na convenção coletiva da categoria no ano passado, assim eles teriam que receber o equivalente a uma hora-aula para produzir os materiais adaptados para as necessidades específicas de cada aluno. Agora, um ano depois, os donos de escolas querem o fim da remuneração dessas atividades com o argumento de que houve alto impacto financeiro.
A proposta para retirar essa cláusula foi apresentada pelo Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), que representa mais de 11 mil escolas particulares, responsáveis por mais de 2,4 milhões de alunos cerca de 25% do total de matrículas de toda a educação básica do estado.
A remuneração para a elaboração das provas e atividades se tornou uma reivindicação dos professores nos últimos anos diante do aumento de alunos com diagnósticos.
Os profissionais relatam ser comum ter três ou quatro alunos por turma com diagnósticos diferentes. Para cada um deles, precisam elaborar atividades específicas, que exigem do professor estudo e tempo para que estejam adequadas às necessidades do estudante.
Por isso, o Sinpro (Sindicato dos Professores de São Paulo) passou a exigir que essas adaptações gerassem o pagamento extra de uma hora-aula. A medida foi aceita pelo sindicato patronal na negociação da convenção coletiva do ano passado.
“A escola particular recebe o aluno com deficiência prometendo aos pais que vai fazer de tudo para a inclusão e aprendizado, mas, na verdade, joga a responsabilidade no professor. O profissional não recebe apoio, formação adequada, tem o trabalho redobrado e, ainda assim, as escolas não querem o remunerar por isso”, diz Celso Napolitano, presidente do Sinpro.
Para ele, a mudança de postura dos donos de escola um ano depois demonstra como os gestores nem sequer dimensionavam o volume de trabalho exigido dos professores para essas adaptações.
“As escolas estão reclamando de pagar, porque só agora entenderam o tamanho do trabalho e responsabilidade que os professores têm com essa atividade. Agora, querem voltar atrás e retroceder”, diz Napolitano. Ele conta que, no último ano, o sindicato convocou representantes de uma dezena de escolas da capital paulista para exigir o pagamento, já que muitas estavam descumprindo a cláusula.
A Folha apurou que diversas escolas, inclusive algumas que cobram mensalidades altas, passaram a pressionar o sindicato patronal para a revogação da cláusula. A Anec (Associação Nacional de Educação Católica do Brasil) enviou ao Sieeesp uma carta em que questiona o pagamento.
A associação reconhece que há casos em que os professores precisam elaborar uma prova ou atividade completamente distinta para alunos com deficiência, mas considera que nem sempre essa adaptação exige tanto tempo ou esforço do profissional. “Existem situações em que são suficientes a alteração da diagramação, formatação, aumento de letras, a exclusão de perguntas, dentre outras mudanças, não havendo a necessidade de elaboração de uma atividade avaliativa extra, que seja totalmente diferente das demais avaliações”, defende a carta.
O mesmo questionamento é feito por José Antônio Antiório, presidente do Sieeesp. “O professor pode demorar cinco minutos para fazer essa adaptação ou levar mais tempo, isso depende de cada profissional. Não dá para a escola remunerá-lo por isso, sendo que o docente já recebe pelo tempo de planejamento para a aula”, diz.
Segundo ele, a cláusula aumentou o custo operacional das escolas e sobrecarregou sobretudo as unidades de pequeno e médio porte. Antiório disse ainda considerar a medida ineficaz para melhorar a inclusão de alunos com deficiência ou transtornos.
“Infelizmente, não temos no país uma formação adequada para os professores lidarem com as inúmeras necessidades específicas de cada aluno. Ou seja, a solução não passa pelo professor, mas por outros profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos. O professor não sabe o que precisa ser feito”, disse.
Ele defende ainda que o erro está na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, criada em 2008 pelo presidente Lula (PT) com a premissa de tornar as escolas regulares espaços adequados para todos os alunos, ou seja, atendendo qualquer necessidade educacional.
“O problema aqui não começa com a escola nem com os professores, mas em um erro do governo. Antes, existiam as escolas regulares e as escolas para pessoas com necessidades especiais e, assim, cada um era atendido de acordo com o que precisava. O governo jogou nas escolas uma responsabilidade que não deveria ser só delas”, argumenta.
A perspectiva apresentada por Antiório (e defendida também por outras entidades) vai na contramão do que determina a legislação brasileira e tratados internacionais assinados pelo Brasil, que apontam que a educação deve eliminar barreiras e promover a acessibilidade, e não a separação de alunos com e sem deficiência.
O ex-presidente Jair Bolsonaro tentou alterar a política para incentivar a criação de escolas e salas especializadas para pessoas com deficiência. O STF suspendeu o decreto por entender que ele era inconstitucional.