BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria pelo fim definitivo da presunção de boa-fé na comercialização do ouro. A decisão encerra uma discussão iniciada em abril de 2023, quando uma decisão liminar (provisória) do ministro Gilmar Mendes suspendeu a presunção de boa-fé na compra e venda do minério.
Com a presunção de boa-fé extinta de vez, quem compra ouro terá, agora, que comprovar a origem legal do minério, o que deve dificultar a comercialização do metal extraído de áreas ilegais, como terras indígenas e reservas ambientais.
Já acompanharam o ministro Gilmar Mendes, relator do processo, os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia, ou seja, seis dos 11 ministros da corte.
A Receita Federal já havia estabelecido, em março de 2023, a obrigatoriedade da nota fiscal eletrônica para as transações de ouro, dificultando a “legalização” de ouro ilegal. Agora, o que o Supremo votou foi um processo movido pela Rede Sustentabilidade e pelo PSB que contestava a lei que permitia a presunção de boa-fé na compra e venda de ouro extraído de garimpos.
A lei de 2013 dizia que as distribuidoras de ouro poderiam aceitar a palavra do garimpeiro como garantia de que o metal vinha de uma área legal, ou seja, as empresas compradoras não eram obrigadas a checar a real origem do ouro, o que facilitava a entrada ilegal no mercado.
Na tarde desta quinta-feira, o STF formou maioria, com seis votos, pela derrubada definitiva da regra. A suspensão, que já funcionava de forma liminar, teve impacto direto sobre o garimpo ilegal.
Um estudo realizado pelo Instituto Escolhas, publicado em setembro de 2024, mostrou que em 2022, quando a regra ainda estava em vigor, os garimpos produziram oficialmente 31 toneladas de ouro. Já em 2023, após a suspensão liminar, esse número caiu para 17 toneladas, uma queda de 45% sobre o ano anterior.
No primeiro semestre de 2024, a produção oficial de ouro foi 84% menor do que no mesmo período de 2022, o que revela a quantidade de material ilegal que era vendido como legal, segundo o Instituto Escolhas, que foi integrante da ação no STF como “amicus curiae”.
O Pará, segundo o Instituto Escolha, conhecido como um dos maiores Estados de lavra garimpeira do país, teve a maior queda na produção, com redução de 57% em 2023 sobre o ano anterior. No município de Itaituba (PA), a redução foi de seis toneladas em um ano. Entre janeiro e julho de 2024, a produção garimpeira no Pará caiu 98%, se comparada ao mesmo período de 2022.
“Temos que comemorar. Com a decisão, o STF cancela definitivamente a validade do pressuposto da boa-fé, mecanismo que permitiu que toneladas de ouro ilegal fossem comercializadas nos país e que os responsáveis ficassem impunes. O pressuposto da boa-fé criava uma situação de crime perfeito, pois o garimpeiro ilegal dizia que o ouro tinha origem lícita e a empresa compradora fingia que acreditava, e era muito difícil responsabilizar os envolvidos, pois tudo era considerado sendo feito de ‘boa-fé'”, diz Larissa Rodrigues, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas.
Para Frederico Bedran, advogado especialista em mineração e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, a decisão coloca a pessoa jurídica adquirente do ouro também como responsável pela observância da legalidade e origem do ouro, passando a se responsabilizar pela compra do ouro sem observância das regras legais e ambientais.
“Nos últimos anos, além da decisão do ministro Gilmar Mendes, o governo instituiu a nota fiscal eletrônica, o que dificultou o esquentamento do ouro ilegal. Somado a isso, a Receita Federal realizou uma série de retenções no aeroporto de Guarulhos para melhor averiguação da origem do ouro, o que reduziu a exportação. No entanto, não diminuiu a produção efetiva, pois o mercado paralelo, infelizmente aumentou.”
Um monitoramento via satélite feito pelo Greenpeace Brasil identificou, em janeiro deste ano, que operações de garimpo seguem ocorrendo no Rio Madeira de “forma alarmante”, seis meses após uma grande ação realizada pelo governo federal para coibir a prática.
Por meio de um novo sistema desenvolvido pela organização e que funciona a partir de imagens captadas pelo radar Sentinel e processadas no Google Earth Engine, 12 alertas de mineração ilegal foram emitidos entre os dias 10 e 22 de janeiro. Imagens do satélite Planet, de alta resolução, confirmaram a informação, segundo o Greenpeace.
No total, 130 balsas, que são embarcações com estruturas arcaicas que remexem o leito do rio em busca de ouro, foram detectadas no período na região entre os municípios de Novo Aripuanã e Humaitá.