SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A discussão sobre a troca do nome das guardas civis para Polícia Municipal não deveria ser uma prioridade das prefeituras, afirma o presidente da principal associação nacional que representa os agentes.
“Eu deveria estar discutindo, enquanto município, a política de segurança que eu vou implantar”, afirma à Folha de S.Paulo Reinaldo Monteiro, que dirige a AGM Brasil (Associação Nacional de Guardas Municipais do Brasil). “E não ficar discutindo quem é polícia e quem não é polícia. A questão da nomenclatura costumo dizer que é perfumaria.”
“A questão do nome polícia tem um certo romantismo, e alguns prefeitos emocionados saíram mudando a nomenclatura das guardas. Não é o foco”, diz ele.
Para ele, os municípios devem se concentrar em desenvolver políticas preventivas de segurança, voltadas também para proteção de mulheres, crianças, adolescentes e idosos, policiamento escolar e redução da perturbação de sossego, atribuições do município.
Monteiro, que é guarda-civil em Barueri, na Grande São Paulo, é favorável ao uso do nome de polícia para as guardas, porque isso poderia ajudar a ajudar a população a entender que se trata de uma força que também faz um trabalho policial. Mas aponta que o ideal seria acrescentar a nomenclatura, por exemplo, em viaturas, abaixo do brasão da GCM.
Já trocar completamente o nome, como tentou fazer São Paulo, faria a guarda perder a essência, afirma ele. A mudança na capital paulista foi aprovada na Câmara, mas está barrada por decisão da Justiça.
Associado sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Eduardo Pazinato concorda com a visão de Monteiro. Segundo ele, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou constitucional a atuação de guardas em ações ostensivas, como policiamento, não criou o cargo de Polícia Municipal, tarefa que caberia o Congresso, mas não há impedimento para o uso do nome.
“Seria até recomendado que se incluísse junto ao nome da guarda a expressão Polícia Municipal. Por quê? Do ponto de vista técnico, a polícia do município, como um órgão de segurança com atividade policial municipal, favorece a interação e a estratégia de policiamento de proximidade que a guarda deve adotar no patrulhamento ostensivo comunitário que realiza.”
O uso do nome favoreceria, para Pazinato, a aproximação das guardas com as ações de segurança preventiva. Já o aspecto político, para ele, fica claro no uso da oportunidade. “Vários prefeitos estão aproveitando a oportunidade, em alguns casos transbordando a sua competência, inclusive constitucional, e criando o cargo de Polícia Municipal. Nesse caso, obviamente, é uma matéria de segurança pública que cabe ao Congresso Nacional.”
É o que também diz a coordenadora institucional do Fórum, Juliana Martins, a partir da observação de como os candidatos a prefeito têm tentado transformar a preocupação da população com segurança em capital político para eleição.
“Acho que o anseio de prefeitos é fazer parecer que mudando o nome das guardas municipais para polícia municipal eles vão estar resolvendo os problemas da cidades, e não estarão, até pelas respostas que o Judiciário tem dado pela inconstitucionalidade dessas alterações.”
O STF não transformou as guardas em polícia, disse a especialista, que defende o fortalecimento da identidade das guardas como instituições diferentes de polícias. “No sentido do que está no estatuto [das guardas, de 2014], de que é importante que essas guardas sejam comandadas por guardas municipais, que essas guardas sejam formadas por guardas municipais.”
Para outros especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, a troca de nome, além do objetivo político, não teria impacto prático no trabalho das guardas.
“Essa mudança está gerando um monte de trabalho, um monte de discussão por uma coisa boba, que não faz sentido”, diz o professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Rafael Alcadipani. Para ele, o melhor seria manter os nomes atuais.
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, também aponta a falta de efeito na organização e na rotina dos agentes municipais. Mas a mudança, segundo a especialista, pode encontrar eco nas próprias guardas.
“As guardas vêm seguindo no Brasil um caminho mais militarizado, de mimetizar as polícias militares”, diz ela. “A gente vê guardas com tropas especializadas como Romu [sigla usada em várias cidades para Ronda Ostensiva Municipal], Iope [Inspetoria Regional de Operações Especiais, como a da guarda paulistana], querendo fazer trabalho de PM, policiamento ostensivo, prisão em flagrante.”
O nome de polícia parece uma demanda dessa identidade que as guardas civis têm assumido de uma corporação mais militarizada, segundo a especialista.
Para Monteiro, da AGM Brasil, as guardas não devem imitar polícias ou fazer operações e criar grupos especiais. “E em relação à forma de atuação, as guardas municipais devem ter foco sempre no preventivo.”
“Eu tendo guardas-civis municipais fazendo patrulhamento diário, normalmente, e preenchendo os espaços dentro do município, eu vou conseguir atingir o meu objetivo”, diz Monteiro, em referência à prevenção de crimes como tráfico de drogas. “Depois que o comércio já tá acontecendo, tão vendendo, aí é serviço de inteligência e serviço investigativo, que nem de Polícia Militar é. É um serviço da Polícia Civil de investigar quem vende, quem traz e onde fica a chamada casa bomba.”
Na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), um projeto do deputado Rafa Zimbaldi (Cidadania) recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Redação na última sexta-feira (14). O texto reconhece as guardas municipais como órgãos de segurança pública e assegura o uso do nome de policiais para os agentes.