SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O espelho da Branca de Neve que estreia nesta semana revela muito mais do que a beleza da princesa. A nova versão do clássico da Disney, lançada pelo estúdio com timidez e blindagem da imprensa, é também um reflexo do clima de tensão política que paira sobre Hollywood desde que Donald Trump voltou à Casa Branca.
No fogo cruzado da guerra cultural que chama um lado de fascista e o outro de “woke” -termo usado para identificar aqueles engajados na luta por grupos minorizados-, “Branca de Neve” chega aos cinemas envenenado, apesar das projeções de bilheteria razoáveis.
Usada em todas as outras releituras recentes da Disney, a fórmula da princesa empoderada, diversa e mente aberta se tornou assunto delicado no contexto atual, que mistura política, crise de bilheteria e o alto grau de cuidado ao lidar com uma personagem tão canônica para a empresa de Mickey Mouse -falamos do primeiro longa americano em animação, afinal.
Quando deu sinal verde para a versão live-action, com atores, de “Branca de Neve e os Sete Anões”, a Disney dificilmente antecipava este cenário. Lá atrás, ela reinvestia o dinheiro gerado por sucessos como “A Bela e a Fera” e “Cinderela” em sua máquina de releituras, percebendo espaço para testar o liberalismo de seu público.
Tomou cuidado ao abordar a cultura chinesa em “Mulan”, deu mais ênfase a Jasmine no novo “Aladdin” e decidiu provocar seu público mais conservador ao deslocar “A Pequena Sereia” para as águas do Caribe e escalar uma atriz negra, Halle Bailey, como Ariel. Os filmes fizeram sucesso, o que certamente pesou para que a Disney convidasse Rachel Zegler, rosto fresco e latino, para dar vida à alemã Branca de Neve.
Eles não contavam, porém, com o perfil contestador e sem papas na língua da atriz. Desde que foi anunciada como protagonista, a neta de colombianos se posicionou de forma contundente contra Donald Trump e desdenhou da Branca de Neve original, que seria ultrapassada.
Rápida foi a ala mais conservadora da internet ao apontar dedos para Zegler, criticando em especial sua ascendência latina, que seria incoerente com a da princesa de pele tão branca quanto a neve. No novo filme, seu nome ganhou uma explicação tonta -a personagem nasceu em meio a uma nevasca.
No atual clima político da Alemanha, lar do conto de fadas original, a mudança foi percebida como um ataque aos valores da extrema direita europeia. Outrora a “tradwife” perfeita, que passa as tardes varrendo a casa e assando tortas de maçã, Branca de Neve foi ressignificada na nova encarnação, e dispensou até mesmo a clássica “Someday My Prince Will Come”, em que canta sobre a chegada de um belo príncipe.
É uma busca por modernidade que enfurece conservadores e, por outro lado, faz pouco para chamar um público mais associado à esquerda, já que “Branca de Neve” é, ainda assim, um conto de fadas preso a um passado ingênuo, de outros valores.
Zegler também manifestou apoio aos palestinos diante da guerra em Gaza, num espectro político diametralmente oposto ao de sua colega de elenco, Gal Gadot. Israelense, a intérprete da Rainha Má tem defendido seu país natal desde que este foi atacado pelo Hamas em outubro de 2023.
Não à toa, a Disney limitou a exposição de suas estrelas na campanha de lançamento do filme, algo incomum para blockbusters deste porte, e dispensou a presença de jornalistas e influenciadores na première em Los Angeles.
“Não vamos ter essa bobagem de ‘o primeiro longa animado que a Disney fez’. Por causa de toda essa controvérsia, eles estão com medo do contra-ataque de diferentes partes da sociedade”, disse Martin Klebba, que dá voz ao Zangado, à revista The Hollywood Reporter.
O ator também serviu de consultor para os sete anões, que neste filme viraram criaturas fantásticas para escapar do debate em torno do tratamento pejorativo dado a pessoas com nanismo. O tiro saiu pela culatra, e a polêmica foi ainda maior, com Peter Dinklage criticando a decisão de readaptar “Branca de Neve” e outros atores com nanismo lamentando a perda de sete bons papéis numa grande produção hollywoodiana.
Nos Estados Unidos, onde a Disney costuma abrir os ingressos para seus blockbusters com um mês de antecedência, “Branca de Neve” só teve duas semanas de pré-venda. À The Hollywood Reporter, publicistas disseram, em anonimato, que a “máquina de marketing” do estúdio estava estranhamente quieta -a mensagem que passa é que eles não têm fé no filme, disse um deles.
Quase nove décadas depois do lançamento de “Branca de Neve e os Sete Anões”, marcado por uma fanfarra hiperbólica, lembrada com carinho em museus e acervos da Disney, a princesa parece ter deixado de ser a mais bela de todas.
BRANCA DE NEVE
Quando Estreia nesta quinta (20), nos cinemas
Classificação 10 anos
Elenco Rachel Zegler, Gal Gadot e Andrew Burnap
Produção EUA, 2025
Direção Marc Webb