BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Lula (PT) segura há cerca de dois meses o aval necessário para que Israel nomeie um novo embaixador no Brasil, num sinal que ameaça aprofundar a crise com o país liderado por Benjamin Netanyahu.

Na segunda metade de janeiro, Israel solicitou ao Itamaraty o chamado agrément (consulta que pede a anuência do país anfitrião antes da designação formal de um embaixador) para enviar ao Brasil, como chefe de missão, o diplomata Gali Dagan.

Ex-embaixador em Bogotá, Dagan deixou a Colômbia em junho do ano passado, depois que o presidente Gustavo Petro decidiu romper relações com Israel por causa da guerra na Faixa de Gaza.

Até esta quarta-feira (19), a requisição do agrément não havia sido concedida pelo Itamaraty —na tradição diplomática, um pedido desse tipo nunca é formalmente recusado, apenas fica sem resposta caso um governo se oponha à nomeação.

Caso o aval não seja mesmo dado, o governo Lula estará, na prática, rebaixando seu relacionamento com Israel, que passará a ser representado no Brasil apenas por um encarregado de negócios (de nível hierárquico inferior).

Procurado pela Folha de S.Paulo, o Itamaraty afirmou que processos de substituição de embaixadores são “rotineiros e sigilosos até a concessão do agrément” e que, portanto, não comentaria o assunto. A embaixada de Israel em Brasília também não se manifestou.

Os governo Lula e Netanyahu trocaram críticas nos últimos meses, também por causa da ofensiva militar israelense em Gaza.

O momento mais agudo da crise ocorreu durante a visita de Lula à Etiópia, em fevereiro de 2024.

Na ocasião, o petista comparou as incursões militares de Israel em Gaza à perseguição dos judeus pela Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, o que desatou fortes queixas do governo de Israel e da comunidade judaica no Brasil.

Em resposta, Netanyahu disse que Lula tinha cruzado uma linha vermelha. O então embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, foi chamado para uma represália pública no Yad Vashem, o mais importante memorial sobre o Holocausto.

Na ocasião, o então chanceler israelense, Israel Katz, declarou que Lula era “persona non grata” no país.

O governo do petista viu na forma como a reprimenda foi organizada —em hebraico, idioma que Meyer não domina— uma provocação.

O Planalto decidiu retirar o diplomata de Tel Aviv, sem substituí-lo. Hoje, a missão brasileira não conta com um embaixador.

Nesta semana, a rixa entre os dois governos ganhou um novo capítulo com os ataques israelenses a alvos do Hamas em Gaza, que indicaram o fim do frágil cessar-fogo com o grupo terrorista em meio a obstáculos nas negociações para as próximas fases da trégua.

Em nota publicada na terça, o governo Lula disse deplorar os novos ataques israelenses, que “provocaram a morte de centenas de palestinos, incluindo grande número de crianças, em flagrante violação do Direito Internacional Humanitário”.

“[O governo] Exorta, ainda, as partes a cumprirem os termos do acordo de cessar-fogo anunciado em 15 de janeiro e a retomarem, com urgência, as negociações com vistas à cessação permanente das hostilidades, à retirada das forças israelenses de Gaza, à libertação de todos os reféns e ao estabelecimento de mecanismo robusto que garanta a entrada desimpedida de ajuda humanitária”, diz a nota.

A velocidade com que um agrément é concedido reflete a proximidade política entre os governos. Em tempos de relacionamento normal, por exemplo, o Itamaraty costumava dar o aval para embaixadores argentinos no próprio dia do protocolo da solicitação.

Gali Dagan é diplomata de carreira e ingressou na chancelaria israelense em 2006. No exterior, foi vice-chefe na embaixada de Israel em Lima, no Peru, e conselheiro nas missões israelenses para a União Europeia e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

O atual embaixador, Daniel Zonshine, deixa o posto nas próximas semanas. Antes de ser embaixador no Brasil, ele chefiou a missão israelense em Mianmar e foi cônsul-geral em Mumbai (Índia). Entre 1998 e 2002, teve uma primeira passagem por Brasília, como ministro-conselheiro.