BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os preços de energia no mercado livre têm mostrado avanço significativo nas últimas semanas em meio à previsão de chuvas abaixo da média em boa parte do país. O movimento reduz o otimismo observado até então com as condições hidrológicas e pode, caso persista, afetar os valores cobrados do consumidor.

A elevação é registrada após a energia já ter sido responsável por um impulso na inflação de fevereiro, tema que provoca preocupação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) do mês chegou a 1,31%, sendo que a eletricidade teve alta de 16,8%.

Agora, a perspectiva de chuvas em baixa tem impulsionado a média semanal do chamado PLD (preço de liquidação de diferença).

Na região Sul, o valor quase sextuplicou -de R$ 58,6 por MWh (megawatt-hora) no começo do ano para R$ 343,24 na mais recente semana (terminada em 14 de março). No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, mais que quintuplicou -de R$ 58,6 para R$ 335,55. Já nas regiões Norte e Nordeste, os preços continuam próximos aos patamares mínimos do ano.

O PLD influencia negociações de curto prazo entre grandes empresas e companhias de energia e, caso permaneça em patamar elevado, pode gerar reflexo também para as famílias por meio da mudança de bandeira tarifária na conta de luz.

O indicador é uma variável crucial para o cálculo da bandeira tarifária definida mensalmente pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Em setembro do ano passado, por exemplo, quando o PLD ficou acima de R$ 251 em todo o mês no Sudeste, a cor aplicada foi a vermelha patamar 1 (segundo patamar mais alto na escala de cores do sistema).

Com a perspectiva de menos chuvas, o custo de geração fica mais pressionado e o PLD sobe. “A previsão mensal para o mês de março indica a ocorrência de afluências abaixo da média histórica para os subsistemas Sudeste/Centro-Oeste, Sul e Nordeste”, afirma relatório do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).

Victor Iocca, diretor de Energia Elétrica da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres), afirma que o PLD passou a ter uma nova metodologia neste ano que antecipa cenários mais graves.

“Infelizmente, as chuvas estão vindo muito abaixo das médias históricas. Por mais que os reservatórios estejam bem, o modelo está mais conservador. Então começou a chover muito pouco, ele já está se antecipando e subindo preço”, afirma.

“Ele torna o custo de operação mais alto com o acionamento de termelétricas. Em vez de ligar o parque termelétrico lá na frente, é mais eficiente ligar um pouco agora”, diz.

O CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, formado por representantes de Ministério de Minas e Energia, Aneel e outros órgãos) concluiu após reunião na última quinta-feira (13) que, no cenário mais positivo, esse será o 13º pior março em condições de afluência. No cenário mais grave, o 3º pior.

Além disso, ao menos até abril de 2025, há previsão de queda, em três de quatro regiões, da chamada energia natural afluente -a energia disponível de fontes naturais que pode ser aproveitada para geração elétrica.

“O CMSE, na sua competência legal, continuará monitorando, de forma permanente, as condições de abastecimento e o atendimento ao mercado de energia elétrica do país, adotando as medidas para a garantia do suprimento de energia elétrica”, afirmou o comitê, em nota sobre a reunião.

Marcelo Sá, analista de energia do Itaú BBA, reforça que a precipitação em março está abaixo da média em todos os sistemas, exceto no Norte (onde as chuvas têm deixado reservatórios cheios, em especial na região do Xingu), e lembra que, paralelamente, a demanda de energia deve crescer 3,5% em 2025 na comparação com o ano passado.

“As projeções para os níveis dos reservatórios do SIN [Sistema Interligado Nacional] se deterioraram em cerca de 10 pontos percentuais”, afirma Sá, em relatório.

Procurados, o ONS e a CCEE (Câmara de comercialização de Energia Elétrica) enviaram uma resposta conjunta em que dizem que o avanço do PLD “reflete a perspectiva de encerramento antecipado do período chuvoso, que deveria perdurar até abril”.

Christiano Vieira, diretor de operação do ONS, afirmou à reportagem há cerca de dois meses que o quadro para 2025 seria positivo se as chuvas se prolongassem até meados de abril. Na ocasião, ele afirmou que as condições de geração estavam começando o ano com o pé direito, mas não descartou reavaliações. “Isso é acompanhado mês a mês e temos de estar preparados para situações críticas”, disse.

O que mitiga as preocupações é justamente o começo do ano ter sido de chuvas fortes nas regiões dos reservatórios. De acordo com ONS e CCEE, o Sistema Interligado Nacional apresenta hoje um armazenamento correspondente a 70% do total disponível.

“Mas as projeções meteorológicas indicam que março poderá ter afluências de água inferiores a 60% da média histórica nas usinas da região Sudeste/Centro-Oeste”, afirmam. “Diante desse cenário, os modelos computacionais utilizados pelas organizações buscam poupar os níveis dos reservatórios, o que resulta em níveis de preço mais elevados”.

O patamar da conta de luz tem sido um temor recorrente do governo. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já fez apelos ao longo do ano passado para que a Aneel mantivesse a bandeira tarifária na cor verde -isto é, sem cobranças extras- citando a preocupação com a inflação.

Neste ano, o governo também vai repassar recursos da Itaipu Binacional para conter a conta de luz e para uma conta de reserva criada recentemente para o amortecimento das tarifas.