BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Dois documentos elaborados pelo Governo do Pará apontam um financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como justificativa para a continuidade de uma obra da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas) que provoca impactos ambientais, como perda de espécies da flora amazônica ameaçadas de extinção.
A liberação do crédito para o projeto em curso em Belém, porém, ainda não teve aprovação do banco, que analisa os impactos ambientais do empreendimento antes de uma decisão sobre a liberação do dinheiro.
Os dois documentos da gestão de Helder Barbalho (MDB) foram apresentados à Justiça do Pará, que chegou a determinar, em decisão liminar, a suspensão da duplicação e do prolongamento da rua da Marinha, que avança por uma área preservada na capital do Pará.
A liminar, de 5 de novembro de 2024, foi derrubada pelo Tribunal de Justiça no dia 13 do mesmo mês. As obras prosseguem em ritmo acelerado, inclusive na fase de extensão da via por uma área verde.
Obra de ampliação da rua da Marinha, via em Belém que margeia área verde; duplicação é preparada para cidade receber a COP30 Raimundo Paccó Folhapress A imagem mostra um canteiro de obras em uma área urbana. À esquerda, há uma rua com uma motocicleta e um carro passando. À direita, o terreno está desmatelado e há uma máquina de construção, possivelmente uma escavadeira, trabalhando. Ao fundo, vê-se uma construção e árvores ao redor. **** Segundo a justificativa apresentada para as obras, o prolongamento da via será necessário porque milhares de pessoas de fora circularão pela cidade durante a COP30 em novembro. Além disso, o alargamento e a extensão da rua da Marinha garantiriam melhor acesso ao estádio do Mangueirão, que pode ser usado na abertura da cúpula.
Entre uma decisão e outra, a Seop (Secretaria Estadual de Obras Públicas) elaborou uma nota técnica em que apontou “prejuízos financeiros diretos” com a paralisação das obras. Esses prejuízos estariam relacionados ao financiamento do BNDES, entre outros fatores, conforme a secretaria.
O documento apresentado à Justiça afirmou que “o financiamento pelo BNDES pode incluir encargos financeiros que continuam a incidir mesmo durante a paralisação, aumentando o custo total do projeto”. Também haveria impacto na imagem e na credibilidade da secretaria e do próprio BNDES, “comprometendo futuras parcerias e financiamentos”.
Arte HTML5/Folhagráfico/AFP https://arte.folha.uol.com.br/ambiente/2025/01/28/of-rua-marinha-belem/ *** O parecer foi elaborado em 8 de novembro. Dez dias depois, a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) elaborou um documento para pedir a manutenção da rejeição da liminar. Repetiu os mesmos argumentos e disse existir risco de “grave lesão à economia pública”.
A PGE acrescentou que um descumprimento do cronograma de execução do financiamento poderia caracterizar inadimplência contratual, “sujeitando o estado do Pará a vultosas multas contratuais e até mesmo no vencimento antecipado da dívida de R$ 1,5 bilhão [valor total dos créditos]”.
“Tudo isso demonstra que a suspensão e qualquer atraso na continuidade das obras de duplicação e ampliação da rua da Marinha causam significativo prejuízo aos cofres públicos, lesionando a ordem econômica, diante dos reajustes ou rescisões contratuais que se farão necessários”, disse a PGE no parecer.
Naquele momento, o BNDES ainda não havia dado aval ao projeto dessa obra específica da COP30. Uma cláusula do contrato de financiamento afirma que os projetos precisam ser aprovados pelo banco antes da liberação dos recursos.
Em visita a Belém em 12 de fevereiro, a diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello, afirmou que o banco não havia autorizado, até então, a liberação do dinheiro, nem mesmo aprovado o projeto, por nenhuma instância da instituição financeira.
O empreendimento custará R$ 242,3 milhões, conforme a previsão feita pelo Governo do Pará.
Em nota, o BNDES disse que o cenário atual é o mesmo. “O projeto está em fase de análise no banco. Tal etapa prevê a verificação de requisitos técnicos, ambientais e jurídicos da proposta de financiamento.”
O BNDES não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre os dois pareceres elaborados pelo Governo do Pará e apresentados à Justiça.
A Seop disse, em nota, que a atual fase das obras é de terraplanagem e que a empresa contratada usa recursos próprios “enquanto aguarda a conclusão do processo junto ao agente financiador”.
“A contratação da operação de crédito com o BNDES ocorreu em junho de 2024. Os documentos técnicos e regulatórios de cada projeto estão sendo analisados para a liberação dos recursos, conforme o fluxo estabelecido pelo banco”, cita a nota.
Reportagem publicada pela Folha em 28 de janeiro mostrou que o licenciamento deu aval para supressão de vegetação em estágio de regeneração, com perdas de árvores de 64 espécies, sendo 5 de maior importância ecológica e 2 integrantes da lista de espécies da flora ameaçadas de extinção. A autorização para o desmate de vegetação amazônica foi dada pelo governo estadual.
Ingá-vermelho e embaubarana são algumas das espécies de maior importância ecológica que estão no caminho do empreendimento. As espécies ameaçadas de extinção, na categoria “vulnerável”, são angelim-pedra e ucuuba, conforme o relatório da área ambiental.
O governo estadual ignorou apontamentos de que a competência do licenciamento era do município, feitos pela própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belém -que chegou a negar a concessão da licença em razão dos impactos ambientais-, pelo Ministério Público e pela Justiça do Pará.
O Governo do Pará diz que o empreendimento está dentro da legalidade.