WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A divisão registrada entre democratas e republicanos no Congresso dos Estados Unidos durante o primeiro discurso de Donald Trump aos senadores e deputados é um dos sinais de como a polarização se acentuou no país desde o retorno do presidente à Casa Branca, em 20 de janeiro.
Pesquisa do instituto Gallup mostra que, na história recente, a diferença nas avaliações do governo feitas pelos dois principais espectros da política americana nunca foi tão grande. No quadro geral, Trump é aprovado por 45% da população, índice maior do que os 40% registrados no primeiro mandato, mas ainda assim a pior avaliação do período entre os presidentes americanos.
A taxa de aprovação salta para 93% entre os republicanos, enquanto só 4% dos democratas têm uma avaliação positiva do início do governo, um intervalo de 89 pontos percentuais de diferença. Entre os independentes, 36% dizem aprovar esse começo.
O hiato supera inclusive o do primeiro mandato de Trump, quando 83% dos republicanos o aprovavam em fevereiro ante 8% dos democratas.
O instituto fez a comparação com os dados registrados no mesmo período desde a Presidência de Dwight Eisenhower, em 1953. O maior intervalo registrado até aqui era o de 2021, no começo do governo Joe Biden, auge da pandemia de coronavírus, e quando o país ainda tentava digerir o impacto da invasão do Capitólio no 6 de Janeiro. Naquela ocasião, 96% dos democratas diziam aprovar o início do mandato de Biden, contra 12% dos republicanos, uma diferença de 84 pontos percentuais.
Em janeiro deste ano, logo após tomar posse, a aprovação de Trump era de 47%, segundo o mesmo instituto. Naquele mês, a diferença na avaliação do governo entre democratas e republicanos era de 85 pontos percentuais.
A acentuação da polarização nos EUA ocorre enquanto o Partido Democrata enfrenta desafios para encontrar uma resposta eficiente na oposição a Trump, diante de uma divisão interna sobre os rumos da sigla.
Outro levantamento do instituto Gallup mostra a maioria dos democratas, 45%, a favor de o partido se tornar mais moderado, enquanto 29% querem que ele fique mais progressista, e 23%, que continue como está.
As reações dos parlamentares ao discurso que Trump fez em sessão conjunta do Congresso evidenciou as divergências. Se, nos governos anteriores, havia ao menos um momento em que democratas e republicanos aplaudiam o presidente da vez, desta vez isso não ocorreu.
Biden foi alvo de resistências em seus discursos no Congresso, mas, segundo analistas, um momento que unia as diferenças forças políticas do Parlamento era quando o democrata citava os esforços para municiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia.
Na semana passada, coube aos democratas aplaudir Trump enquanto ele dizia, em tom crítico, que a gestão passada fez repasses em excesso ao governo ucraniano, enquanto os republicanos celebraram seu líder quando ele falou sobre a necessidade do fim da guerra.
Isso porque, segundo pesquisa do Gallup, a avaliação da postura do atual governo sobre a Guerra da Ucrânia é o que menos divide os partidos: 80% dos republicanos a aprovam, contra 9% dos democratas -sim, a diferença de 71 pontos é a menor delas. As maiores são com relação à política de imigração e relações exteriores de Trump, ambas com um abismo de 86 pontos percentuais, seguidas de economia (85).
Na semana passada, no Congresso, o presidente foi alvo de protesto do deputado democrata Al Green, do Texas, que interrompeu o discurso logo nos primeiros minutos, gritando “você não tem mandato” ao presidente. Foi a maior manifestação do tipo durante um discurso presidencial ao Congresso. O presidente da Câmara, Mike Johnson, expulsou Green da sessão e dias depois aplicou-lhe uma moção de censura.
Em outros momentos da fala de Trump, em um plenário visual e metaforicamente dividido, democratas ergueram placas que continham frases como “falso”, “Musk rouba” e “salve o Medicaid”. Do outro lado, republicanos vibraram, aplaudiram menções a Elon Musk e a outros aliados e gritaram o nome de Trump em diversas intervenções no discurso do presidente -100 minutos de fala em tom de comício.
Robert Shapiro, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Columbia, ressalta que Trump fez um discurso de “carne vermelha” (a cor dos republicanos), ao menosprezar democratas, em especial Biden, alvo de várias críticas e mesmo de xingamentos.
Esse tipo de atuação, uma constante desde a campanha presidencial, tem contribuído para ampliar a polarização entre americanos, avalia o professor. “Suas declarações e ações contribuíram para isso, além dos sentimentos negativos de longa data em relação a ele por parte dos democratas e seu forte apoio entre sua base.”
A dificuldade de respostas contundentes por parte do Partido Democrata passa, na avaliação de Shapiro, pela espera de dados negativos concretos da gestão Trump, o que eles ainda não têm, e pela expectativa de mais protestos da população contra a gestão atual -o gancho para os atos mais significativos até aqui foram as medidas anti-imigração do novo governo.
Analistas têm apontado que o discurso do republicano tem o risco de afastar eleitores moderados que ora o apoiaram na eleição. “Sua estratégia de governança implacável focada apenas na base MAGA [acrônimo de “faça os EUA grandiosos novamente”, slogan de Trump] está afastando alguns eleitores que o apoiaram relutantemente em novembro”, disse William Galston, do Instituto Brookings, ao The Washington Post.
Pesquisa do jornal mostrou que enquanto a aprovação de Trump se manteve estável nos dois primeiros meses do ano, a taxa de desaprovação cresceu de 47% para 50%.