RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Ao apresentar à Câmara Municipal do Rio de Janeiro o projeto para criação da Força de Segurança Municipal, o prefeito Eduardo Paes (PSD) citou Macaé, Itaperuna, Angra dos Reis, Cabo Frio e Araruama, cidades do interior do estado, como locais que assistem ao aumento da violência.
Após encerrar o discurso escrito, encerrou uma fala improvisada com uma espécie de slogan de campanha: “O Rio livre da bandidagem, livre da vagabundagem é o que a gente espera”.
A fala em fevereiro resumiu os principais aspectos dos primeiros sinais da estratégia de Paes para a disputa estadual 2026. O prefeito vem tentando combinar ataques diretos ao governador Cláudio Castro (PL) ao mesmo tempo em que acena a eleitores bolsonaristas por meio de uma retórica “linha dura” na área de segurança.
O projeto de lei para criação da força municipal -alterado na quinta-feira (6)- foi mais um passo nessa direção. Após três mandatos sem se empenhar na formação de agentes armados para atuação na segurança pública, Paes abriu o ano legislativo com a promessa de campanha.
“Não dá para tratar o tema da segurança de forma ideológica. Tem de um lado a turma do ‘vítima da sociedade’ e de outra a turma do ‘bandido bom é bandido morto’. Fica essa discussão que não leva a lugar algum e quem sofre são os trabalhadores, as crianças e as famílias que ficam nas mãos desses marginais, desses delinquentes”, disse ele, em rede social.
A estratégia é semelhante à adotada na eleição municipal quando, após aglutinar o apoio das principais lideranças de esquerda, passou a fazer sinalizações a eleitores conservadores. O objetivo é ampliar apoio no estado em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) venceu o presidente Lula em 2022.
O cenário para 2026 se desenha de forma semelhante, caso o petista concorra à reeleição.
Paes segue negando a intenção de deixar a prefeitura para disputar o Palácio Guanabara, embora a futura candidatura seja considerada certa por aliados próximos. O prefeito, porém, afirma que pretende liderar uma frente de oposição a Castro, o que justificaria suas críticas ao governador.
Outra sinalização da estratégia foi o posicionamento em relação à ADPF 635, a chamada “ADPF das Favelas”, por meio da qual o STF (Supremo Tribunal Federal) impôs regras para a realização de operações policiais.
Assim como Castro, Paes criticou a ação e afirmou que a atuação da corte inibiu a ação dos agentes. Contudo disse que o governador usa o processo como desculpa pelos problemas de segurança pública.
“Mais do que aquilo que está escrito nas decisões, a impressão que se tem é que ela serviu de desculpa para aqueles que não querem trabalhar ou não têm competência para fazer valer a autoridade e o monopólio [do uso] da força do Estado em determinadas áreas do território. De outro lado, cria uma sensação de que o Rio de Janeiro virou uma espécie de resort para delinquentes”, afirmou o prefeito.
O sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), afirma que as falas de Paes e Castro estão cada vez mais próximas.
“Eles se aproximam nessa retórica bastante funcional no Brasil que se apoia nos símbolos do sofrimento para ter ganhos eleitorais. É o que se chama de populismo penal. Antes, Paes procurava ao menos transmitir uma aparência mais técnica, mas mudou”, disse Hirata.
Daniela Fichino, diretora-adjunta da Justiça Global, afirma que Paes demorou quatro anos para se posicionar sobre a ADPF e vê conotação eleitoral no momento utilizado para a manifestação, em conjunto com a criação da força municipal.
“O ‘timing’ se relaciona com a intenção político-eleitoral de Eduardo Paes para os próximos anos e o fato de ele saber que a eleição vai estar calcada em respostas à segurança publica”, disse ela.
Fichino questiona a necessidade de criação da força municipal armada tendo em vista os índices de segurança na cidade atuais comparados a outros anos em que Paes esteve no cargo, nos quais não se empenhou no tema.
Dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) mostram que o número de roubos de rua -foco de combate da futura força municipal- aumentou 19% de 2023 para 2024. Contudo, o volume de registros do ano passado (37.449) é menor do que 8 dos 12 anos em que Paes esteve à frente da prefeitura (2009-2016 e a partir de 2021).
As regras previstas para a futura força municipal, porém, também desagradaram a bolsonaristas. Uma delas proíbe o porte de arma fora de serviço dos futuros agentes. Por outro lado, o projeto de lei não incluiu a previsão de uso de câmeras corporais, equipamento alvo de críticas do grupo do ex-presidente.
Na semana passada, Paes teve de alterar o projeto para incluir a força dentro da Guarda Municipal e permitir que seus agentes a integrem. Essa era uma outra reclamação de aliados de Bolsonaro na Câmara Municipal.
Essa não é a primeira vez que Paes precisa se equilibrar entre ataques a um bolsonarista e aceno ao eleitorado do ex-presidente. Em 2018, durante o segundo turno da eleição estadual contra Wilson Witzel (então no PSC), o prefeito declarou alinhamento com as propostas de Bolsonaro para a segurança pública.
“O deputado Jair Bolsonaro tem uma agenda importante no campo da segurança pública. Essa é uma prioridade dele. Essa é uma questão tão relevante para o Rio de Janeiro que faz com que, nesse campo, a gente avance muito mais. Como essa é uma agenda prioritária, não tenho dúvida que tenho mais uma identidade programática nesse campo”, disse ele, em debate do jornal O Globo.
Em 2018, Paes confirmou sua candidatura ao Palácio Guanabara dentro do Comando Militar do Leste após uma reunião com o então interventor, general Walter Braga Netto, onde discutiu a situação da segurança pública do estado. Ele acabou derrotado por Witzel.